APRECIAÇÃO DO REGULAMENTO DE AVALIAÇÃO DOS DOCENTES DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

No seguimento e de acordo com o que foi expresso em 27 de Junho de 2012 na audiência que solicitou, o Sindicato dos Professores do Norte formalizou a sua apreciação do regulamento de Avaliação dos Docentes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Em primeiro lugar, não é claro como os docentes foram (ou não) chamados a participar na sua elaboração. Entende o SPN que a participação efectiva dos docentes em todas as fases do processo é condição fundamental para que a avaliação não seja (nem seja percebida como) um processo punitivo, mas antes como uma forma de melhorar a qualidade do trabalho dos docentes e das instituições. Apresentações, audiências ou pareceres no fim do processo correm o risco de ficar reduzidas ao cumprimento mais ou menos burocrático de formalismos legais.

Considera o SPN que a avaliação devia ser equitativa. Ora, o Regulamento usa um mesmo instrumento de avaliação para as distintas categorias de docentes, o que pode ser desequilibrado na medida em que, por exemplo, em termos de orientação de doutoramentos e regência de unidades curriculares, os professores mais graduados (catedráticos e associados) possuem uma clara vantagem sobre os professores auxiliares. Estes desequilíbrios também podem ocorrer quando se usa um mesmo instrumento para avaliar docentes de uma unidade orgânica que compreende departamentos marcadamente distintos em termos de área científica.

O modelo agora proposto visa revogar o anterior modelo de avaliação que, quando nos foi apresentado, foi classificado pelos responsáveis da FMUP, “à prova de bala” e, afinal, vai acabar relegado para o arquivo morto da FMUP. Seria, aliás, um exercício de aprendizagem que a FMUP produzisse uma reflexão sobre a aplicação do primeiro modelo e sobre as razões que conduziram aos resultados negativos de cerca de 60% dos docentes. Surpreendentemente, não temos sequer eco de que este novo modelo tenha sido testado através de simulações, o que não abona em favor dos princípios de transparência ou previsibilidade e que, como a própria FMUP já pode constatar, pode acarretar consequências negativas diversas.

Em relação ao actual Regulamento, listam-se a seguir algumas questões que gostaríamos de ver esclarecidas:

    1. Não se compreende por que razão, em cada vertente, serão avaliados apenas os dois critérios com melhor pontuação. Tal afigura-se-nos estranho, pois parece que a actividade em qualquer vertente pode ser reduzida a duas dimensões. Para além de tal corresponder a um mundo plano, a actividade de um docente é certamente multipolar. Ao valorar somente dois critérios, o Regulamento vai condicionar a actividade dos docentes no sentido da maximização desses dois únicos critérios. A médio prazo, esse condicionamento irá reduzir a diversidade da actividade dos docentes, sendo certo que a Universidade, como qualquer organismo, só tem a ganhar com diversidade.
    2. Por que razão se fixa estes valores para metas e tectos? Foram os valores testados? Resultam da prática dos docentes da FMUP? A título de exemplo, por que razão se fixa a meta para projectos financiado em 30 000 euros? Porquê este valor e não outro? Como foi escolhido este valor? O mesmo se poderá dizer em relação à equivalência que se estabelece entre 3 mestrados e um doutoramento? Por que razão três?
    3. Parece impossível que todos os docentes tenham a responsabilidade de coordenação de uma unidade curricular, dado o número de docentes e o número de unidades curriculares. Acresce ainda que os docentes mais graduados, tal como determina o ECDU, terão esta responsabilidade. Tal, prejudica, portanto, os docentes menos graduados, nomeadamente professores auxiliares ou, eventualmente, assistentes.
    4. Como será realizada a pontuação dos inquéritos pedagógicos? Como será efectuada a sua validação, atendendo a que haverá unidades curriculares cujas taxas de resposta serão baixas? Nesse caso, o docente não será pontuado por razões que lhe serão exteriores, isto é, pelo simples facto de os discentes não responderem. A utilização de dois critérios poderá, no caso da vertente de ensino, conduzir a que a informação dos inquéritos pedagógicos nunca seja utilizada.
    5. De igual forma, parece estranho que se valorize a transferência de conhecimento da forma proposta. O que quer dizer “ter participado num evento de visibilidade significativa”? Quem define o que é visibilidade significativa?
    6. A participação em júris prejudica claramente os docentes menos graduados, já que os professores catedráticos e associados, pelo reconhecimento que adquiriram, serão mais chamados a participar em júris. Com que fundamento se estabeleceu a equivalência entre a participação nos diversos júris?
    7. De igual forma, não havendo cargos de gestão para todos os docentes, muitos serão prejudicados não porque não queiram realizar actividades de gestão, mas porque não existem cargos para todos. Já o director tem 300 pontos, ou seja, 15 valores, o que corresponde a uma classificação de relevante, só por ocupar o cargo, independentemente da avaliação qualitativa dos seus actos de gestão. E se o cargo não for exercido a tempo inteiro? São na mesma 300 pontos? E nesse caso não deverá ser avaliado nas outras vertentes?
    8. Como será feita a harmonização? Com que critérios?

  1. Particularmente grave é a fixação pelo avaliador, ouvido o avaliado, da ponderação relativa a cada uma das quatro vertentes, de acordo com o perfil académico, profissional e contratual do docente, tendo em consideração os objectivos de desempenho docente fixados para o período de avaliação em causa. Em primeiro lugar, tal possibilidade contraria o disposto no RAD UP (ver Artigo 9º, número 2) que determina que esta ponderação resultará de um processo que maximize a avaliação quantitativa global do docente. Acresce ainda que a fixação de ponderações por um avaliador, além de poder ser discricionária, já que depende da vontade do avaliador, será também pouco equitativa, pois não será uniforme. Mas, acima de tudo, tal norma poderá colocar em causa o princípio da liberdade académica de investigação e ensino.
  2. A grelha agora proposta, bastante diferente da primeira versão que foi enviada, é, ao contrário da anterior (publicado em DR, 2ª Série, 93, em 13 de maio de 2011), muito pouco concreta. Assim, a valoração fica de alguma forma ao critério discricionário do avaliador, e não havendo troca de informação entre avaliadores, não haverá um critério uniforme de valoração. Aliás, a grelha proposta, em quase todos os critérios enuncia a participação como unidade de valoração o que está longe de ser uma avaliação com carácter qualitativo, pois consiste numa simples enumeração de participações. Não deixa de ser motivo de reflexão que a aplicação da primeira versão do Regulamento com a respectiva grelha se tenha saldado por uma avaliação negativa de cerca de 60% dos docentes da Faculdade. Não há qualquer garantia que o mesmo não venha a acontecer com a actual modelo de avaliação. Aliás, a mudança agora efectuada resulta da constatação que o modelo anterior estava longe de ser um modelo ajustado, a não ser que a Faculdade de Medicina considere que a larga maioria dos seus docentes não tem um desempenho satisfatório. Por isso surge esta nova grelha. Foi a mesma testada? Está adaptada à realidade dos docentes da FMUP? O que perpassa deste exercício é uma abordagem empirista, em que não se obtendo resultados satisfatórios, se muda ou ajusta o modelo até que o mesmo produza resultados considerados aceitáveis. E o que são resultados aceitáveis? 60% de excelentes, 20% de excelentes? Lamenta-se que esta abordagem empirista, que só vai fomentar a competição e o mal-estar entre os docentes, em especial os menos graduados, seja pouco participada, sem a intervenção e auscultação dos docentes. E em vez de transformar a avaliação num processo positivo, co-construído, gera-se um modelo que ninguém sabe muito bem qual será o resultado.

O SPN considera que as avaliações devem ser simplificadas e baseadas em modelos compreensíveis. As avaliações baseadas num modelo complexo, além de não serem claras, serão grandes consumidoras de recursos e de tempo (veja-se todo o trabalho burocrático associado à introdução dos elementos curriculares de cada docente bem como a construção da plataforma informática), não se justificando quando o principal resultado poderá ser uma alteração do posicionamento remuneratório.

Mais, todo este exercício de avaliação do desempenho será inconsequente do ponto de vista da progressão, na medida em que a Lei do Orçamento não só congelou as verbas destinadas à promoção, como também as promoções com efeitos a partir de Janeiro de 2011. As eventuais progressões retroactivas, no período de 2004 a 2010, não justificam este sistema de avaliação.

O ECDU, ao impor estes regulamentos, visa reduzir mais os encargos financeiros com o ensino superior, supostamente promovendo uma avaliação com o objectivo de distinguir os excelentes, mas que na realidade vai erodir o ambiente entre colegas, promover o desânimo e, por fim, piorar o sistema que pretende melhorar.

A natureza qualitativa, bem como a dimensão subjectiva do trabalho realizado pelos docentes, não se pode avaliar pelos mecanismos propostos. Esta febre quantificadora, que parece satisfazer alguns gestores das instituições, modifica o exercício da profissão, condicionado a sua acção em função de actividades que serão mais ou menos valorizadas, o que se traduzirá numa uniformização do corpo docente.

Porto, 13 de Julho de 2012
Departamento de Ensino Superior
do Sindicato dos Professores do Norte

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