Documentos aprovados no VII Congresso da Fenprof

Documentos aprovados no VII Congresso da Fenprof

1.2. A Educação e a Formação ao Longo da Vida

Antes de se fazer uma breve abordagem do sistema educativo enquanto responsável pela qualificação das crianças e dos jovens que no futuro vão integrar a população activa é imprescindível deixar-se um olhar crítico sobre a realidade actual e explicar-se o propósito da FENPROF de contribuir para a sua transformação de modo a tornar os trabalhadores portugueses de hoje mais capazes de responder às múltiplas questões que a sociedade lhes for colocando de uma forma que lhes permita promover a sua progressiva emancipação.

As novas tecnologias, a globalização dos mercados e a construção europeia causam constantes mudanças na paisagem profissional bem como uma turbulência explosiva nas fontes do saber o que torna inevitável a diversificação dos percursos e ocasiões de aprendizagem e a promoção da aquisição de conhecimentos/competências essenciais ao longo da vida.

Dentro de um contexto global desta natureza afiguram-se necessárias novas dinâmicas quer ao nível da qualificação escolar quer ao nível da qualificação profissional.

Constitui, por isso, para a FENPROF uma preocupação constante a Educação e Formação ao longo da vida, entendida como uma resposta fundamental a toda a população portuguesa que ou não pôde concluir a sua educação/formação - e que agora o deseja - ou pretenda actualizar conhecimentos e adquirir competências que permitam fazer face às alterações do mundo do trabalho.

Os 62,6% da população activa portuguesa que não têm seis anos de escolaridade (dados do INE 1996); os 77% que não têm a escolaridade básica (censo - 1991); os 30% dos activos semi-qualificados ou não qualificados (MTS/Direcção de Serviços de Desenvolvimento Curricular - 1998) e os cerca de 60% que não possuirão a formação igual ou superior a 9 anos em 2015 (previsão da OCDE - 1997) são exemplos assustadores que nos afastam seriamente em relação aos outros parceiros da União Europeia.

É pois urgente encontrar respostas articuladas entre o que se faz no domínio da Educação ao longo da vida e o que se faz na formação profissional contínua.

Recorde-se a este propósito um dos princípios orientadores de aprendizagem ao longo da vida proposto pelo Conselho de Ministros da União Europeia em 1996: "Iniciativas de formação e educação ao longo da vida devem assegurar equilíbrios entre as dimensões pessoais, culturais, cívicas e sociais e preocupações económicas e de emprego."

E se para responder aos números atrás citados a Educação/Formação ao longo da vida deve assentar numa vasta gama de oportunidades de aprendizagem é necessário também estabelecer um relativo equilíbrio entre as diferentes ofertas quer ao nível do público-alvo quer ao nível dos desenhos curriculares, quer ao nível dos recursos disponíveis.

Caminha-se actualmente para uma pulverização de cursos [Formação de Jovens em regimes de alternância - Cursos de Aprendizagem, Ensino Profissional, Cursos de Ensino Recorrente com Currículos Alternativos, Ensino Recorrente, Cursos de Educação e Formação Profissional e Inicial, Cursos da ANEFA - Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos...] onde se não vislumbra o desejado equilíbrio principalmente ao nível das estruturas curriculares e nos recursos disponíveis e até na sobreposição de públicos-alvo.

A diversidade curricular proposta, o reconhecimento de competências-chave adquiridas ao longo da vida (questão fundamental da ANEFA) deverão obedecer a um razoável equilíbrio que permita o pressuposto atrás transcrito. E não é demais recordar alguns dos avisos feitos na Conferência Europeia sobre Educação e Formação de Adultos, realizada em Évora de 25 a 27 de Junho de 2000 para debater especificamente as competências-chave dos adultos. Rui Canário alertou aí contra o mero reconhecimento das competências que já existem: «a aprendizagem faz-se com a experiência e contra a experiência porque o reconhecimento dos dados adquiridos não é apenas um ponto de chegada e não substitui a formação». Paolo Federighi, Presidente da Associação Europeia para a Educação de Adultos, deixou outras dúvidas: «A certificação levanta vários problemas políticos: Como é que os vários sistemas - escolas, formação profissional, empresas - se vão relacionar entre si? Como podemos substituir a sociedade de diplomas por uma sociedade de créditos? Como é que a mobilidade europeia se fará? E como se consegue uma harmonização? Qual será a relação de certificação de competências com as políticas salariais das empresas?»

A compreensão, interpretação e questionamento do mundo actual, o posicionamento social e político face aos mecanismos e efeitos da globalização, a tomada de consciência e análise crítica das implicações do desenvolvimento científico e tecnológico nos modos de vida das populações são alguns dos objectivos básicos de Educação ao longo da vida que nunca poderão estar comprometidos em qualquer estrutura curricular. O fundamental é promover diferentes políticas públicas que conduzam ao aumento das qualificações (académicas e profissionais), com vista à redução das desigualdades sociais e a evitar a expansão de uma camada social sem qualquer perspectiva de uma verdadeira e sólida inserção social e laboral.

É com esta preocupação que a FENPROF avalia o sistema educativo e as reformas que têm vindo a ser incrementadas ao longo da última década as quais visavam, segundo a opinião dos governantes, dotar o país de um sistema escolar que transformasse a escola pública numa verdadeira escola democrática que aliasse ao princípio da quantidade, isto é, do acesso do maior número de portugueses à educação e ensino, o da qualidade traduzido num sistema educativo apetrechado com os instrumentos necessários ao sucesso educativo dos que o frequentam independentemente da origem social de cada um. Dito de outro modo: a FENPROF sempre defendeu a expansão de uma escola pública de qualidade para todos como uma opção política indispensável às transformações sociais que permitiriam a construção de uma sociedade em que a maioria dos trabalhadores estaria munida das capacidades que impulsionariam a sua participação activa quer no domínio do pensamento quer no da acção, com vista à construção e dinamização de uma democracia política, social, económica e cultural.

Porém, um decénio passado, a FENPROF considera que a reforma educativa se saldou por um profundo fracasso nos seus aspectos essenciais e que por tal motivo o país está a entrar num novo século com um sistema educativo abalado pelas tensões de uma inequívoca crise estrutural e sectorial.

Antes de se passar, nos capítulos seguintes, a uma análise mais de pormenor e mais sectorializada é conveniente uma abordagem, ainda que em traços largos, do sistema educativo apesar da escassez de dados estatísticos postos à disposição pelas estruturas governamentais ou do Estado.

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2.1.6 Ensino Recorrente

No anterior congresso, a FENPROF exigiu ao ME uma avaliação séria e rigorosa do Sistema de Ensino por Unidades Capitalizáveis como único modelo de educação de adultos para os 3º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário face ao real insucesso verificado.

Os números que o ME apresentou em 1998 confirmaram a razão da FENPROF.

Iniciou-se então uma campanha visando alargar as ofertas de educação e formação de adultos bem como dos espaços da sua realização.

Nesse contexto de defesa da diversificação de oferta educativa surgem vozes críticas ao espaço-escolar, acusando-o de um local onde se adoptam modelos e organizações tradicionais e onde falta significatividade e funcionalidade às aprendizagens realizadas! Mas, se a FENPROF defende que se tornam necessárias alterações quer aos currículos quer à organização de escola, julga-se obsessiva esta preocupação em ultrapassar o "tão arreigado modelo escolar" na procura de metodologias e processos de educação/formação de adultos bem como de novos desenhos curriculares que poderão pôr em causa a obrigatória interligação entre as várias ofertas e impedirão a justa possibilidade dos adultos escolherem as modalidades que mais lhes convierem.

A FENPROF considera infundamentadas estas críticas ao espaço-escola e concretamente ao Ensino Recorrente, quando os seus autores não beliscam o modelo de ensino por unidades capitalizáveis, antes o pretendem reproduzir noutras ofertas fora das escolas, mas apenas condenam as escolas e os professores incapazes de se libertarem dos modelos tradicionais!

Não foi este o sentido do 1º Encontro Nacional de Ensino Recorrente realizado pela FENPROF em 18/19 de Novembro de 1999. Os mais de 400 participantes, professores que leccionam neste subsistema, intervieram interessadamente, preocupados com os resultados do actual modelo e desejosos de reais alternativas à actual situação.

No Encontro saudou-se a constituição da Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA) como uma possibilidade de desenvolvimento e divulgação de modelos, metodologias e materiais específicos para Educação de Adultos; de realização e promoção de investigação; de apoio a projectos e iniciativas (...) mas as ofertas de educação e formação que nos próximos anos se propõem realizar (no âmbito do III QC.A-até 2006) só terão relevância se se enquadrarem num edifício educativo mais lato em que o Ensino Recorrente nas escolas públicas seja um dos principais pilares.

Se a FENPROF saudou também a experiência do novo Ensino Recorrente, como uma tentativa de alterar a actual situação, embora o ME continue a insistir num único modelo de unidades/blocos capitalizáveis cujas alterações feitas em 1999/2000 o pioraram, ignorando as sugestões feitas pela FENPROF, é criticável a forma como foi lançada: tardiamente, coordenação deficiente, sem meios, sem apoios financeiros, com programas diferenciados de escola para escola e com homologações tardias ou inexistentes.

Assim, para o próximo triénio, serão preocupações da FENPROF:

- A exigência ao governo português de um esforço na procura de soluções que invertam a realidade actual dos baixos níveis de escolarização.

- A exigência da atribuição dos horários do ensino recorrente, em todos os níveis de ensino, às escolas públicas.

- A exigência da clarificação do papel das coordenações concelhias e seu enquadramento legal

- A exigência ao ME que na construção de um modelo para o Ensino Recorrente se deverão ter em conta as diversidades regionais e a heterogeneidade dos público-alvo. Trabalhar num único modelo excluirá à partida públicos que não se adaptam a este ou aquele modelo. Pelo menos duas opções (presencial/grupo-turma, não presencial/progressão mais individualizada em ambos os casos com apoio a todas as disciplinas)deverão ser experimentadas.

- A Exigência de discriminação positiva nos critérios da formação de turmas e especificamente do número de alunos por turma. (Recorde-se que nos cursos da ANEFA o limite máximo é estabelecido entre 10 e 15).

- A Exigência de que qualquer lançamento de experiências, bem como a posterior generalização, tenham as condições e os meios materiais e humanos adequados devidamente coordenados e acompanhados.

- A Exigência de que, cumprindo a LBSE, não se prejudiquem os formandos que optando por este ou aquele subsistema pretendam continuar os seus estudos. A este nível propomos que os programas deverão ter esta preocupação, sem prejuízo de especificidades curriculares do Ensino para Adultos.

- A Exigência de actualização e formação contínua para os professores.

- A Denúncia de qualquer tentativa de favorecimento de iniciativas privadas desfavorecendo o ensino público.

 

15 Medidas para Combater a Crise na Educação

A expansão e a afirmação da Escola Pública como um espaço educativo de qualidade, inclusivo, capaz de assumir as suas respostas sociais e apto a responder às múltiplas exigências que se lhe deparam, é condição fundamental para combater a profunda crise em que a escola portuguesa se encontra mergulhada. Uma crise que, para ser superada, obriga a que se tomem medidas excepcionais que continuam ausentes na política educativa do Governo.

         O VII Congresso Nacional dos Professores, reunido em Lisboa, nos dias 21, 22 e 23 de Março de 2001, propõe com carácter de urgência para combater a crise na Educação, as seguintes 15 medidas:

1.       Aprovação de uma Lei Quadro de Financiamento da Educação e do Ensino, que clarifique responsabilidades e garanta o bom funcionamento das escolas num quadro de desenvolvimento da sua autonomia;

2.      Criação das condições indispensáveis à construção da Escola de Turno Único. Uma Escola capaz de responder aos desafios da integração, da diferenciação, do combate à exclusão, apta a desempenhar o seu papel educativo e a assumir a sua função social;

3.      Criação de condições que garantam a qualidade da formação inicial dos docentes, cuja profissionalização deve proporcionar um adequado ingresso na profissão e um apetrechamento técnico-científico que lhes permita responder eficazmente às amplas e diversificadas exigências profissionais;

4.      Profunda revisão do actual regime de autonomia, direcção e gestão das escolas, tendo em vista a descentralização da administração educativa e o reforço da democraticidade na organização escolar;

5.      Profunda reorganização da rede escolar, desde a Educação Pré-Escolar ao Ensino Superior e supressão de todas as situações de benefício e favor a estabelecimentos de ensino privado;

6.      Aprovação e execução de um plano de requalificação do parque e equipamento escolar dos ensinos básico e secundário, com carácter de emergência para o 1º Ciclo do Ensino Básico.

7.      Aprovação de um sistema de Acção Social Escolar que discrimine positivamente todas as crianças e jovens que dela necessitem;

8.      Estabilização do corpo docente através da revisão da legislação sobre quadros, concursos e colocações de professores, consagração de um regime dinâmico de vinculação e criação dos incentivos necessários à fixação dos professores, previstos na lei há onze anos;

9.      Melhoria das condições de exercício e valorização da profissão docente, designadamente através da revisão das carreiras de todos os professores e educadores e da aprovação de um regime de formação contínua desburocratizado e valorizador;

10.   Criação das condições para o alargamento da obrigatoriedade educativa e escolar, quer na Educação Pré-Escolar (para todas as crianças de 5 anos), quer aumentando a escolaridade obrigatória para 12 anos;

11.   Adopção de medidas que permitam combater as situações de indisciplina e violência nas escolas (com a necessária alteração do regime disciplinar dos alunos e a criação de equipas multidisciplinares) e reconhecimento deste e de outros factores no crescente desgaste da profissão docente, com a consagração de um regime de aposentação voluntária aos 30 anos de serviço

12.  Aprovação de um novo e exequível calendário para a generalização da reorganização curricular do ensino básico e da revisão curricular do ensino secundário. Criação de uma comissão de acompanhamento da reforma que verifique a criação prévia das condições necessárias à sua generalização - em domínios como a formação de professores, o equipamento, as condições de trabalho, a criação de equipas multidisciplinares, entre outros - no sentido de se obter uma melhoria qualitativa do sistema educativo português;

13.  Supressão de iníquos constrangimentos com que se deparam os jovens no acesso e frequência do ensino superior público e progressiva aproximação, na dignidade e no reconhecimento social, entre os ensinos universitário e politécnico, no sentido de ser criado um só sistema, integrado e diversificado, devidamente financiado, que contribua para um ensino superior de elevada qualidade e relevância social;

14.  Desenvolvimento do ensino profissional e de vias profissionalizantes no ensino público que contribuam para uma formação profissional de sustentada qualidade e uma adequada integração no mundo do trabalho;

15.  Construção de um modelo de Ensino Recorrente, integrado numa perspectiva de Educação e Formação ao longo da vida aberto a toda a população, que tendo em conta as diversidades regionais e a heterogeneidade do público-alvo, contribua para o aumento das suas qualificações

Estas são 15 medidas excepcionais e de carácter urgente que, a serem tomadas, contribuirão para promover a estabilidade do sistema educativo, elevar a qualidade do ensino e combater a actual crise que atravessa a Educação em Portugal.

A FENPROF apresenta-as ao país, convida todos os parceiros educativos para um amplo debate onde se encontrem os caminhos necessários à sua concretização e desafia o Ministério da Educação a levá-las à prática, a partir de um processo sustentado num amplo movimento que mobilize e envolva todos os que são a vida e a razão de ser da escola.

Lisboa, 23 de Março de 2001

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