Manuela Mendonça, Coordenadora do SPN, sobre a entrevista de Nuno Crato

 

Em entrevista hoje ao jornal Público [31.10.2011], o ministro Nuno Crato deixa clara a dupla ameaça que paira sobre a escola pública no nosso país: a obsessão pela redução de custos e o programa de um governo de maioria de direita que visa reduzir fortemente o papel do Estado na educação - razão que leva o governo, a pretexto da crise, a triplicar os cortes acordados com a troika na área da educação.

A primeira ameaça é visível na profusão de números relativos a cortes: 644 milhões nos subsídios de férias e de Natal, 268 milhões na “redução prudencial das receitas consignadas”, 600 milhões em medidas de racionalização (cerca de 100 milhões em “medidas já identificadas”, outros 100 milhões em “medidas estudadas”, mais 100 milhões em “medidas que estão a ser identificadas”, 50 milhões na eliminação da Área de Projecto, 32 milhões na eliminação do Estudo Acompanhado, 100 milhões no Ensino Superior, etc, etc,). O grande objectivo a atingir é assumidamente uma redução muito significativa do número de professores no sistema. Segundo Nuno Crato, “as contratações serão apenas as estritamente necessárias”, ficando em aberto quantas serão e para quê.

Quanto à segunda ameaça, esta entrevista retoma a agenda governativa: a substituição da rede pública de educação por uma rede nacional de serviço público, com escolas públicas e privadas a serem financiadas de igual modo pelo Estado, através de políticas de livre escolha (diz o ministro: “gostaríamos muito de ter um alargamento dos contratos de associação e de autonomia”); um modelo autocrático de gestão das escolas, do tipo “autonomia do chefe”, em que os directores concentram cada vez mais poderes, nomeadamente ao nível da contratação dos professores; lógicas de concorrência e competição entre as escolas, através de mais e mais exames, centrados nos saberes das designadas “disciplinas essenciais”; caminhos diferenciados para vários públicos escolares (atente-se às referências às vias profissionalizantes), entre outros aspectos.

À pergunta: “A educação não deverá ser considerada um sector estratégico e de alguma forma ser poupada a este tipo de cortes?”, Nuno Crato responde: “Os sacrifícios têm que ser repartidos por todos. É verdade que a educação é um sector estratégico, mas também a saúde ou a segurança pública. Quase metade (46.7%) do pessoal da administração central está no ME (…) as reduções têm que ser, em grande parte, em pessoal e têm que se reflectir na educação”.

Não deixa de ser uma resposta curiosa, quando comparada com a do ministro da Administração Interna, que, há umas semanas, justificou a não existência de cortes no seu ministério invocando o mesmo argumento (a importância estratégica das questões da segurança para o país), mas tirando exactamente a conclusão contrária: apesar da crise, não se esperasse outra coisa do governo que não o reconhecimento dessa importância, não efectuando qualquer corte.

Na mesma linha se manifestaram os cerca de cem mil professores espanhóis que no dia 22, na Marcha sobre Madrid, afirmaram que “a educação pública é um investimento, não um gasto”, porque “a educação é o futuro e a escola pública garante esse futuro”.

 

Manuela Mendonça, Coordenadora do SPN

Partilha