Os 'milhões' do ME - Fenprof exige “transparência” e “seriedade política”

Sobre os milhões que o ME diz custar a recomposição da carreira docente

O Governo, através do Ministério da Educação, tornou público o texto de um powerpoint, distribuído às estruturas sindicais, na reunião de 15 de dezembro, com o alegado custo do descongelamento da carreira docente.

Fê-lo de forma pouco séria, pois não foi rigoroso nos dados divulgados, para além de transformar partes do documento num instrumento de propaganda.

Assim, num ponto prévio à agenda de trabalho da reunião de 20 de dezembro, a Fenprof manifestou um veemente protesto pela forma como o Ministério da Educação decidiu divulgar este documento, considerando-o “um exercício da mais pura falta de seriedade política”, por duas razões:

i) não é claro nos números que avança;

ii) avança números que não são corretos.

Por exemplo, em reunião anterior, o ME havia informado que seriam 1.162 e 1.035 os docentes que, respetivamente, reuniam condições para progredir aos 5.º e 7.º escalões em 2018. Neste documento, refere-se que há 6.562 em condições de progredir ao 5.º e 7.337 ao 7.º escalão.

Esta enorme diferença (5.400 no primeiro caso e 6.302 no segundo) faz com que o número final de docentes em condições de progredir em 2018 baixe de 50.151 (número que consta do documento divulgado) para 38.449. Além disso, esta enorme diferença nestes dois escalões levanta legítimas suspeições sobre a correção do número de docentes em condições de progredir em 2018, nos restantes escalões.

Este, porém, não é o único problema.

Apesar de todos os entraves que o ME tem vindo a colocar ao reposicionamento dos docentes que têm estado retidos no 1.º escalão desde 2011, o quadro divulgado aponta para um valor que seria verdadeiro se nenhum entrave existisse ao reposicionamento, o que não está nas intenções assumidas do Ministério da Educação.

Por último, os 609 Milhões que o ME refere que custaria o reposicionamento de todos os docentes, em 2018, caso se contassem 7 dos mais de 9 anos de congelamento, são também incorretos, pois nunca esteve em cima da mesa tal cenário.

Desde logo porque há consenso numa recuperação faseada a decorrer entre 2019 e 2023, e não em 2018; depois porque não são 7, mas 9 anos 4 meses e 2 dias os que foram perdidos pelos professores.

Olhando o documento divulgado, a Fenprof decide tornar públicos os seguintes comentários: 

Slide “Descongelamento das carreiras da Administração Pública”

Se, por um lado, se prova que a percentagem de docentes que vão progredir na carreira está em linha com o que acontecerá na Administração Pública em geral, por outro lado, o documento induz em erro o leitor ao afirmar que o custo das progressões [na AP] “perfaz um total anual de cerca de 650 M€”, o que não é verdade, pois o faseamento ao longo de três anos, reduz em cerca 1/3 o custo anual;

Slide “Valorização da carreira docente – Medidas tomadas”

É dada como tomada uma medida que ainda não está aprovada, a constituição do novo grupo de Língua Gestual Portuguesa, sendo também referida como medida que criou melhores condições de trabalho para os professores a redução do número de alunos por turma, apesar de essa redução, pelo seu caráter extremamente restritivo, não ter tido qualquer impacto. Também em relação à “nova vinculação em 2018” e a “redução dos anos da norma-travão” são medidas que, apesar de previstas no OE para 2018, ainda não estão, sequer, negociadas, pelo que dá-las como já tomadas é, apenas, propaganda;

Slide “Número de docentes que progridem, por ano e escalão”, e slide “Número de progressões com impacto financeiro em cada ano”

Tal como nas apólices de seguros, pode ler-se, em letras reduzidas no canto inferior esquerdo “Apenas considerado o requisito de tempo previsto no ECD”. Ora, deveria o Ministério ser claro em diversos destes números, nomeadamente, esclarecendo a diferença entre os que apresenta e aqueles que, em sede negocial, deu como corretos, quando informou que o número de docentes em condições de progredir do 4.º para o 5.º escalão era de 1.162 e do 6.º para o 7.º de 1.035. Para além desta diferença de números, deveria ainda ter referido que nem todos progredirão como induz o exercício feito pelo ME, encontrando-se em negociação (reunião em 20 de dezembro) a portaria que estabelecerá as regras para o preenchimento de vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões. Nessa negociação, o ME, para além de recusar fixar uma percentagem mínima anual, também recusa q necessidade de negociação anual obrigatória do número de vagas, pretendendo deixar à discricionariedade dos governos e aos seus interesses políticos essa fixação. Deveria também esclarecer-se que o impacto financeiro das progressões em 2018 corresponde apenas a parte do valor do escalão seguinte (inferior a 50%, como acontece com toda a AP);

Slide “Reposicionamentos em janeiro de 2018 – Número de docentes a reposicionar”

O ME faz um exercício de completa falta de rigor. Por um lado, ao afirmar que descontou o período do congelamento, não esclarece quantos anos foram descontados (se 7, se 9 anos 4 meses e 2 dias); por outro lado, estando garantido que não haverá ultrapassagens no reposicionamento, o ME, neste exercício, omite a aplicação de diversas normas que vigoraram na transição entre versões do ECD. Além disso, não se reflete, no documento distribuído, a intenção declarada do ME de aplicar a estes docentes os bloqueios que o próprio ECD prevê, em particular, as vagas para progressão aos 5.º e 7.º escalões. Como tal, o impacto financeiro apresentado está longe da realidade;

Slide “Impactos financeiros das progressões com relevância do tempo entre 2011 e 2017”

Este é, talvez, de todos, o slide mais demagógico. O Ministério da Educação pretendendo passar a ideia de que o descongelamento da carreira docente tem um custo superior ao da restante AP, mas sabendo que isso não é verdadeiro, usou o condicional do verbo ter, ou seja, “teria”. Teria, mas não tem! Desde logo, porque i) em 2018, não haverá qualquer recuperação de tempo de serviço; ii) os 252 M€ que são referidos serão faseados em 4 anos, logo não terão o impacto imediato que o gráfico sugere; iii) por último, porque nos 400 milhões que são referidos para as restantes carreiras, estão excluídas as do regime geral, no qual se encontra a grande maioria dos trabalhadores da AP.

Por um regime específico de aposentação para os docentes

Como se constata, ao Governo não lhe saiu bem o exercício, já que os elementos que são tornados públicos vêm confirmar que o Estado pouparia, isso sim, se aprovasse um regime específico de aposentação dos professores, permitindo, não só, o rejuvenescimento do corpo docente, como reduzir o custo com recursos humanos. O documento confirma que o Governo poderia reduzir em muito o custo com recursos humanos na Educação. Se, em 2021, 23% dos docentes terão atingido os mais elevados níveis da carreira, isso traduz o envelhecimento do corpo docente, problema que, a ser resolvido, através da aprovação de um regime específico de aposentação para os docentes, terá impacto positivo na vida das escolas, mas também o terá no plano financeiro.

Do Governo, exige-se rigor na divulgação de números como estes que são postos a circular. Não o tem, e cremos que não por incompetência dos seus técnicos, mas sim por falta de seriedade dos seus políticos, o que se lamenta profundamente.

Uma última nota, para referir o facto de o ME realizar e divulgar todo este exercício, omitindo, sempre, o que os docentes perderam em apenas 7 anos: mais de 8.000 milhões de euros, esse sim, um verdadeiro rombo nos bolsos dos professores. Registo, ainda, para o facto de apenas ser considerada uma perda de 7 anos, o que, aparentemente, ignora a recente recomendação da Assembleia da República que vai no sentido de ser recuperado todo o tempo perdido, isto é, 9 anos, 4 meses e 2 dias.

 

 

 

 

Anexos

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