A proletarização das classes médias sob a batuta do PS

7 de outubro de 2022

André Freire, no Público (Edição de 7 de outubro de 2022)

 

O Governo do PS está no poder desde 2015, primeiro suportado numa aliança com a esquerda radical, que “instrumentalizou” apenas para chegar o poder, a solo desde 2019.

Durante a aliança de esquerdas, houve uma reposição dos cortes de direitos e rendimentos, descongelamento de carreiras para os funcionários públicos (uma medida que nem de perto de nem de longe abrangeu todos os assalariados que trabalham no sector público), bem como um ligeiro desagravamento fiscal em sede de IRS. Não houve quaisquer aumentos salariais no sector público, com duas exceções: aumentos reais do salário mínimo e aumentos principescos de juízes e magistrados.

Nos primeiros exercícios a solo do PS, 2020-2022, os aumentos dos salários na função pública seriam feitos de forma generalizada, mas apenas ao nível da inflação esperada, nomeadamente 0,3% e 0,9%. De novo, apenas o salário mínimo teve aumentos reais. Note-se que o que se passa no sector público é um referencial fundamental para o conjunto da economia.

Em resumo, nos primeiros sete anos de Governo PS não houve recuperação das perdas reais de poder de compra, 2010-2021, exceto para o salário mínimo, criando, aliás, problemas de convergência dos salários dos servidores públicos menos bem remunerados (e não só) com o salário mínimo. Mas, em 2022, tudo mudou, o aumento de 0,9% revelou-se muito inferior à inflação esperada para o final do ano, cerca de 8%.

Apesar de grandes aumentos de inflação estarem já previstos quando o Orçamento para 2022 foi apresentado (abril), o executivo recusou-se a atualizar minimamente os aumentos de salários. Muito tardiamente, ou seja, no início de setembro de 2022, o gabinete apresentou um “pacote de migalhas” para mitigar a inflação, o qual deixava de fora grande parte das classes médias assalariadas: um cheque de 125 euros para quem ganha até 2700 euros brutos, a pagar em outubro, e mais 45 euros para cada filho (sempre atos únicos). Baixou minimamente os impostos da energia: na eletricidade, só da parte (mínima) taxada a 13%, que passou a 6%; no gás natural, mandou as pessoas mudarem para o mercado regulado, ou seja, para mudarem de fornecedor; uns ligeiros cortes nas taxas dos impostos do gasóleo e da gasolina.

Para 2023, já sabemos que os aumentos de salários dos servidores públicos vão penalizar fortemente uma boa parte das classes médias assalariadas (ou seja, das profissões científicas e técnicas: médicos, enfermeiros, professores, engenheiros, etc.), sendo fixados muito abaixo da inflação, ou seja, em volta dos 2%-3%. Não sabemos ainda o que vai acontecer com o IRS, mas, na melhor das hipóteses, haverá atualizações de escalões em linha com a inflação, ou quiçá baixas no IRS apenas nos escalões mais baixos (como propõe agora o PSD), também este deixando de fora boa parte das classes médias assalariadas. Mas as classes médias assalariadas são quem mais impostos paga neste país (e com reduzidos retornos em matéria de serviços públicos; mas também com encargos elevados: prestações de casas, automóveis, filhos, etc.), não são as empresas, por isso o selecionador nacional queria receber o seu salário como uma empresa e não como um assalariado….

Este é o Governo que, apesar da forte desvalorização salarial que quer continuar a infligir às classes médias assalariadas, se tem recusado a taxar os lucros excessivos das empresas e que quer diminuir o IRC das ditas (transversalmente ou de forma segmentada), como, aliás, fizeram as direitas na era da troika. Mais: é o mesmo Governo que diz querer aumentar o quinhão dos salários no PIB, durante a legislatura, e que, para tanto, quer que o setor privado aumente os salários em média 4% ao ano, embora dê o exemplo contrário na administração. A não ser que a ideia seja para convergirmos todos com os baixos salários que grassam no país, aumentando estes últimos (e bem) e penalizando as classes médias (muito mal). Em matéria de valorização dos salários, este executivo tem tanta credibilidade como a Rússia quando fala da invasão da Ucrânia.

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