Contributos da FENPROF para o Relatório Final do Conselho de Acompanhamento e Avaliação do Novo Modelo de Direcção, Administração e Gestão
1. ADEQUAÇÃO DO MODELO A OBJECTIVOS DE POLÍTICA
EDUCATIVA E DE DINÂMICA ORGANIZACIONAL
1.1. PARTICIPAÇÃO DOS ACTORES
. DEMOCRATICIDADE
. REPRESENTATIVIDADE
. INTEGRAÇÃO COMUNITÁRIA
A participação dos actores, prevista e concretizada
a diferentes níveis, constitui, porventura, um dos mais significativos
indicadores do falhanço do modelo em experiência, principalmente
se recordarmos que uma maior e melhor participação
dos diferentes actores envolvidos, e até uma maior democraticidade
do modelo, foram apresentadas como principal vector das transformações
a operar no domínio da direcção e gestão
das nossas escolas.
Analisando esta componente pelos ângulos da democraticidade,
representatividade e integração comunitária,
a FENPROF entende realçar os seguintes aspectos:
. A experiência evidencia que, se a democracia formal,
presente na constituição de alguns orgãos (nomeadamente
o Conselho de Escola), foi respeitada no essencial dos processos
conhecidos, o conceito de democracia participativa foi insuficientemente
acautelado, não se podendo dizer que constitua no conjunto
das escolas da rede experimental uma mais valia introduzida pelo
modelo em apreço.
. Pelo contrário, estaremos mesmo perante um decréscimo
de democraticidade se atentarmos na distância maior entre
decisores e público-alvo dessas decisões, evidenciada
pelas críticas frequentes de mais difícil acesso à
informação interna à escola/área escolar,
com reflexos negativos na participação dos vários
intervenientes.
. Democraticidade é, para a FENPROF, um conceito com conteúdo,
traduzido por condições de elegibilidade, colegialidade
e garantias de participação efectiva. Também
se pode falar em menos democracia quando se subverte a colegialidade
do orgão de gestão e se aposta num cargo unipessoal,
na calha de uma profissionalização da gestão
que tem mais a ver com lógicas empresariais do que com a
dinamização de espaços pedagógicos.
. Pode-se falar em decréscimo de participação
e envolvimento, concretamente dos professores, quando se esvazia
de poderes o Conselho Pedagógico, subalternizado na hierarquia
de competências dentro da escola, burocratizado na sua articulação
com as estruturas que o suportam, mero executor de propostas e orientações
que a outros cabe decidir.
. Exemplo significativo dos equívocos criados pela retórica
do reforço democrático é o do Conselho de Escola,
quer por este se ter configurado como um orgão de novo tipo,
destinado a assegurar a direcção da escola/área
escolar de uma forma participada e comunitária, quer por
se tratar de um orgão de tipo parlamentar onde confluíram
todos os intervenientes que os legisladores decidiram trazer para
a escola, independentemente de os seus interesses nela serem mais
próximos, mais profundos ou mais direcionados para o seu
quotidiano.
. Se, no primeiro plano, o Conselho de Escola nunca se conseguiu
verdadeiramente libertar da indefinição de competências
essenciais com que foi criado, e teve que viver com a 'sombra' permanente
de um director executivo bem mais agilizado no que concerne à
sua inserção no 'xadrês do poder' na escola,
logo sendo pouco orgão de direcção,
no segundo plano, a eficácia da participação
conseguida no seu funcionamento regular é claramente insuficiente,
funcionando como um factor acrescido de desmotivação
pessoal dos seus membros.
. Se as dificuldades de participação referidas atravessam
todos os níveis de ensino envolvidos na experiência,
elas assumem particular realce nas escolas do 1º ciclo do ensino
básico e jardins de infância, dadas as características
de dispersão da rede escolar, do isolamento e ainda da falta
de apoios elementares ao seu funcionamento normal.
. Além da incapacidade demonstrada para a criação
de estímulos próprios à participação,
ajustados aos vários tipos de intervenientes, acresce a sensação
de que os vários membros do Conselho de Escola/Área
Escolar se representam a si próprios (incluindo os professores),
sem responsabilização directa e permanente perante
aqueles que os elegeram (ou seleccionaram), impotentes perante o
dilema de poderem influenciar decisões importantes à
vida da escola e, (mais nuns casos do que noutros) não a
conhecerem e sentirem verdadeiramente.
. A FENPROF entende que não se pode pretender atingir objectivos
de democraticidade, participação e integração
comunitária sem se conseguir aumentar a porosidade entre
a escola e a comunidade, sem implicar verdadeiramente todos os que
se interessam pelo processo educativo. Para estes objectivos,
as soluções encontradas falharam inequivocamente.
Há que procurar outras que, no respeito pelos artigos 43º
e 45º da Lei de Bases do Sistema Educativo, potenciem uma participação
adequada de todos, aos diferentes níveis de uma administração
do sistema educativo descentralizada, como ainda não o é,
apesar do decreto-lei nº 172/91.
. Prever modalidades de participação que consigam
adequar a presença em cada orgão a uma efectiva capacidade
de intervenção nos mesmos, também passa por
reparar uma das maiores lacunas do modelo em experiência,
a não inclusão de orgãos ao nível local,
do tipo do Conselho Local de Educação, que a FENPROF
contempla nas suas propostas há vários anos.
. A administração local do sistema educativo é
um dos níveis de administração previstos na
lei nº 46/86, de 14 de Outubro, para o qual deve convergir
um conjunto de competências próprias, exercidas com
autonomia, e resultantes de uma participação ampla
de todos os implicados no processo educativo.
. Da articulação necessária entre o nível
local e o nível escola/grupo de escolas deverá resultar
uma nova forma de encarar a participação dos actores
sociais envolvidos, ajustando-a às especificidades próprias
e aos conhecimentos exigíveis.
1.2. AUTONOMIA E IDENTIDADE DA ESCOLA
. Neste domínio, estamos perente outro dos maiores indicadores
do insucesso da mudança que se pretendeu introduzir na direcção
e gestão das nossas escolas.
. É certo que não existe em Portugal uma efectiva
descentralização da administração educativa
e que sem ela quaisquer projectos de autonomia e participação
democrática na direcção e gestão das
escolas ficam comprometidos.
. É neste quadro que a FENPROF entende, como também
parece ser a opinião generalizada de todos os que se debruçam
sobre esta problemática, que o modelo em experiência
não veio introduzir qualquer acréscimo significativo
de autonomia às escolas que se organizaram segundo esta nova
lógica. Entende ainda que, coincidindo esta fase experimental
com um período de generalização de outras medidas
da designada 'reforma do sistema educativo', se assistiu a um reforço
de centralismo, enquanto pilar principal da administração
educativa, que tocou a todos de igual modo e que fez com que não
se consigam encontrar diferenças de vulto entre o funcionamento
regular destas escolas e de todas as outras não envolvidas
na experiência.
. A assunção da identidade da escola e o desenvolvimento
de projectos educativos próprios (se é possível
falar em verdadeiros projectos educativos no quadro do centralismo
vigente) têm mais a ver com as práticas e dinâmicas
já existentes do que com os novos normativos ou dinâmicas
daí resultantes. Casos houve em que escolas cujas dinâmicas
eram reconhecidas, as perderam com a aplicação do
actual modelo, de que são exemplo a Secundária Emídio
Navarro e a Preparatória Fernando Pessoa.
. Quanto mais elevadas são as apostas, maior dimensão
poderá ter a derrota. Sabendo-se que um modelo organizacional
dos estabelecimentos de ensino antes de ser um modelo jurídico
é um modelo político e que, a este nível, se
projectou um futuro de muito maior autonomia para as escolas que
viessem a abraçar as novas fórmulas de organização
legalmente definidas, a constatação atrás referida
não pode deixar de constituir um retrato fiel do insucesso
que o modelo registou, ao ser analisado também por este ângulo.
. Uma última nota, correndo o risco de registar o óbvio.
Não basta ter a autonomia definida por decreto para que as
escolas se constituam em espaços vivos de exercício
responsável da autonomia legítima a que têm
direito. Dois anos antes do decreto que institui o novo modelo de
direcção, administração e gestão,
um outro decreto, o 43/89, enquadrou (só para os 2º
e 3º ciclos do ensino básico e ensino secundário)
os níveis de autonomia atribuídos às escolas,
nos planos pedagógico, cultural, administrativo e financeiro.
. Daí para cá, tudo o que foi sendo produzido no plano
legislativo, aos vários níveis do sistema educativo
( e de que o hiperregulamentador decreto-lei nº 172/91 não
só não é excepção como antes
é um bom exemplo) atrofiou todas as tentativas de adopção
de práticas autonómicas ao nível da escola,
com ressalva de, aqui e ali, aparecerem alguns focos de heróica
resistência.
. Responder a este desafio - descentralizar, devolver poderes e
consagrar espaços claros de autonomia, é o caminho
seguro a percorrer no respeito dos princípios constitucionalmente
consagrados e desenvolvidos pela Lei de Bases do Sistema Educativo.
1.3. EXERCÍCIO DA DIRECÇÃO E DA GESTÃO.
AFECTAÇÃO DE
COMPETÊNCIAS NUMA PERSPECTIVA DE EFICÁCIA
PEDAGÓGICA
. No entender da FENPROF estas questões não podem
ser objecto de análise desenquadrada das soluções
organizativas concretas apresentadas para o orgão de gestão
dos estabelecimentos de ensino. Poder-se-ia correr o risco de se
caír no facilitismo de se considerar garantido, também
por esta via, o primado do pedagógico pelo simples facto
de o director executivo ser necessariamente um professor e não
qualquer pessoa especializada em gestão, como alguns defendiam,
ou ainda defendem.
. Por outro lado, eficácia e eficiência, termos caros
aos legisladores do novo modelo (ver preâmbulo do decreto-lei
nº 172/91), podem representar conceitos diametralmente opostos,
segundo os objectivos últimos que se pretenda atingir.
. Se, relativamente à eficácia, os padrões
de medição forem os resultados da escola, o sucesso
educativo dos seus alunos construído a partir do bem-estar
de todos os que a vivem, o que se pode dizer é que não
há análises comparativas fidedignas que apontem para
um aumento ou redução dessa eficácia.
. Já quanto à eficiência, se analisada pelo
prisma do funcionamento da organização escolar, quer
os conflitos internos registados, quer as desarticulações,
aumento da burocracia e maiores dificuldades na circulação
da informação, apontam para uma menor eficiência
do sistema instalado.
. Segundo a opinião da FENPROF, a consagração
legal do cargo unipessoal para a gestão corresponde a uma
perspectiva de reforço da centralização da
administração educativa, inversamente a uma eficácia
dirigida à dinamização da vida interna da escola/área
escolar, potenciadora de participações múltiplas
e a vários níveis, garante de uma vida democrática
em tudo o que corresponde ao quotidiano escolar e à obtenção
do sucesso educativo das crianças e jovens para quem a escola
existe.
. Constituem argumentos a favor desta ideia: (1) o desequilibrio
na dupla responsabilização do director executivo perante
o Conselho de Escola e a Administração Central, claramente
favorável à segunda; (2) a perspectiva clara de profissionalização
da gestão, só temporariamente matizada dada a insuficiência
de docentes especializados nesta área; (3) as indecisões
políticas quanto à nomeação para o desempenho
do cargo de gestão, que resultaram na incongruente solução
de selecção por concurso vs eleição
pelo Conselho de Escola; (4) menos explícita, no que respeita
ao articulado jurídico, mas não menos importante,
a valorização implícita que o poder central
faz deste cargo, relativamente ao conjunto dos outros, de que são
exemplos a prioridade absoluta na definição de subsídios
para o seu desempenho, por oposição ao atraso (e insuficiência)
dos incentivos ao desempenho do cargo de membro do Conselho de Escola,
ou ainda, o canal preferencial de diálogo, como representante
da escola, que a Administração encontrou no director
executivo.
. Em nossa opinião a constituição de um orgão
unipessoal de gestão contraria a colegialidade característica
dos orgãos escolares. A organização pedagógica
e a administração da escola têm que estar ligadas.
A gestão numa escola não é meramente técnica,
não é neutra, é comandada por valores e orientações,
é, ela própria, um elemento de pedagogia. O exercício
de um cargo de gestão é uma função que
o professor pode exercer durante um determinado período de
tempo, não é uma profissão - daí a nossa
recusa da existência de gestores profissionais. É necessário
qualificar, e não profissionalizar, não só
os responsáveis pela gestão como todos os que desempenham
cargos pedagógicos ao nível da escola. Para isto há
que encontrar respostas quer ao nível da formação
inicial para a docência quer ao nível da formação
contínua.
. Mas não se pode falar em perspectivas de prevalência
pedagógica sem uma referência à subalternização
clara do orgão pedagógico por excelência, o
Conselho Pedagógico, que o decreto-lei nº 172/91 transformou
num simples orgão técnico de apoio ao funcionamento
de outros, quer seja o Conselho de Escola quer seja o próprio
director executivo.
. No quadro da distribuição de competências
entre as diferentes estruturas consagradas no modelo, as funções
de orientação pedagógica, fulcrais para o funcionamento
da escola/área escolar, estão entregues a um orgão
sem margens de autonomia, que vê acrescentar ao controle,
já de si duro, da administração central outras
fontes de tutela internas à escola. Para poder 'respirar'
só lhe resta a expectativa de um bom relacionamento, fomentado
quase sempre por vias informais, com os orgãos da própria
escola/área escolar, dado que de fora já sabe com
o que pode contar - a prepotência de uns e a desconfiança
de outros.
. Assim, aquele que poderia ser o verdadeiro 'pulmão' da
escola, não é mais do que um simples 'membro', de
quem se espera muito trabalho e muita obediência.
. Credibilizar o Conselho Pedagógico pela via da atribuição
de margens de decisão autónoma é também
incrementar a participação e garantir a prevalência
de critérios de natureza pedagógica sobre critérios
de natureza administrativa, como preceitua a Lei de Bases do Sistema
Educativo.
2. CONDIÇÕES DE IMPLEMENTAÇÃO DO MODELO
. Nesta vertente a FENPROF não tem muito mais a acrescentar
ao que já foi dito a pretexto da elaboração
do Relatório Preliminar.
Realçam-se apenas alguns aspectos considerados relevantes:
. A selecção de escolas para integrar a rede experimental
foi definida, nas suas várias fases, a partir de critérios
de pouca ou nenhuma clareza, apesar de o Conselho de Acompanhamento
e Avaliação, aquando do alargamento da rede, ter solicitado
a divulgação desses critérios.
. Registou-se uma clara indisponibilidade da Administração
Central para proceder a um processo de auscultação
democrática das escolas quanto à sua vontade de envolvimento
na experiência.
. Principalmente no início do processo, registaram-se algumas
atitudes de uso arbitrário do poder por parte da Administração
central no que concerne à resolução de alguns
problemas surgidos com a instalação do modelo
. Durante o processo, e face a interrogações concretas
colocadas pelas escolas perante problemas com que se depararam foram
produzidas orientações de duvidosa coerência
com os normativos legais em vigor.
. A excessiva regulamentação do decreto-lei nº
172/91, e sua legislação de suporte, está na
base da pouca flexibilidade e dificuldades de adaptação
à heterogeneidade da rede escolar.
. Sendo defensável a adopção de soluções
para a direcção e gestão integradoras para
o conjunto da escolaridade básica, assumem particular relevância
as dificuldades de aplicação do modelo na Educação
Pré- Escolar e 1º Ciclo do Ensino Básico, de
que se destacam as seguintes:
- as áreas escolares, de dimensões maiores ou menores,
são realidades artificialmente criadas que escondem as variadas
realidades dos núcleos que as constituem e lhes retiram autonomia
- há grande dificuldade de articulação entre
o projecto educativo de cada escola e o projecto educativo da área
escolar, não reflectindo este a diversidade das parcelas
apesar da existência de acções convergentes
- as condições de participação dos pais,
em geral más, são particularmente difíceis
nestes sectores de ensino, principalmente nos bairros mais desfavorecidos
- é necessário que sejam definidas pelas associações
de pais as formas mais adequadas de se fazerem representar e assegurarem
a participação do conjunto das associações
da área escolar no Conselho de Escola
- dada a distribuição geográfica dos estabelecimentos
de ensino destes sectores só com ajudas de custo e ajustamentos
de horários das reuniões (nomeadamente aos transportes)
será possível a participação dos docentes
e auxiliares de acção educativa
- a falta de orçamento e o deficiente apetrechamento dos
estabelecimentos de ensino destes sectores são um constrangimento
grave a uma gestão com dinâmica de intervenção
pedagógica a que o novo modelo não deu resposta.
. Por último, constata-se que o olhar do poder sobre as escolas
não revelou quaisquer preocupações de percepção
de que alguma coisa de novo poderia nelas estar a acontecer.
NOTA FINAL
A FENPROF entende deixar claro que as vicissitudes do lançamento
do processo de experimentação do modelo, que são
também referidas no Relatório Preliminar (nomeadamente
no capítulo 'Factores Condicionantes do Processo de Avaliação')
não são a causa principal do insucesso da experimentação.
Mesmo que os sucessivos normativos respeitantes à implementação
do disposto no decreto-lei tivessem saído atempadamente,
ou que tivessem sido definidas mais cedo as condições
de participação dos membros do Conselho de Escola/Área
Escolar (entre outros factores), a experiência poderia ter
decorrido com menos sobressaltos mas subsistiriam neste modelo factores
graves de prejuízo da prevalência do pedagógico.
Assim, o Relatóro Final deve situar-se na lógica não
de correcção do modelo e sua posterior generalização
mas de alteração global do decreto-lei nº 172/91
e criação de outras soluções organizativas.
Não havendo porventura um modelo ideal, importa definir os
princípios fundamentais em que o mesmo deve assentar - salvaguardar
os princípios de democraticidade, participação
e representatividade, no respeito pela autonomia e capacidade das
escolas de encontrar soluções adequadas à diversidade
de problemas que se lhes colocam.
29 de Dezembro de 1995