ENEC/AECD — Cidadania e velhas ideologias
13 de agosto de 2025
A Fenprof deu o seu contributo para a consulta pública, promovida pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), relativa à Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania (ENEC) e às Aprendizagens Essenciais de Cidadania e Desenvolvimento (AECD). Fê-lo, através de propostas que defendem uma abordagem construtiva e democrática da política educativa, onde a cidadania é valorizada.
Num tempo em que a democracia revela sinais alarmantes de fragilidade, em que discursos de ódio ganham visibilidade e movimentos antidemocráticos e de extrema-direita conquistam espaço político, a Educação para a Cidadania assume-se como eixo central da missão da Escola Pública. Face ao crescimento de novas formas de violência, desigualdade, discriminação e desinformação, a Escola Pública não pode ser um espaço neutro. Deve ser, como sempre defendeu a Fenprof, um espaço seguro, de liberdade, de pensamento crítico e de construção coletiva, onde se promova o respeito pelos direitos humanos, a igualdade de género, a diversidade, a inclusão e a convivência democrática. É neste contexto que a Educação para a Cidadania deve ser entendida: não como um adereço curricular, mas como um pilar estruturante da formação dos jovens e da própria democracia.
Neste quadro, a proposta do MECI de revisão dos referenciais da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento representa um preocupante retrocesso. Sob o pretexto de uma suposta “neutralidade ideológica”, o que se está a promover é, na verdade, o esvaziamento de conteúdos essenciais à formação plena de crianças e jovens. A exclusão de temáticas essenciais, como a sexualidade, a identidade de género, o mundo do trabalho ou os direitos sociais, e a tentativa de transferir para as famílias a responsabilidade de definir o que deve ou não ser ensinado, são expressões de uma visão ideológica que pretende silenciar o papel transformador e emancipador da educação. Esta orientação abre espaço à desigualdade de acesso à informação e à formação, condenando muitos jovens a crescerem desprotegidos, em silêncio e sem as ferramentas básicas para compreenderem e intervirem num mundo cada vez mais complexo, desigual e desafiante.
A escola, ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, não doutrina. Educa. E fá-lo com base em princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa e em compromissos assumidos a nível internacional. A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento não substitui o papel das famílias — complementa-o, assegurando uma abordagem pedagógica, científica e inclusiva de temas estruturantes para o bem-estar e o desenvolvimento pessoal e social dos alunos.
A Fenprof lembra que os professores têm demonstrado, ao longo de décadas, a sua capacidade para tratar com profissionalismo, respeito e rigor científico matérias delicadas, como a educação sexual, a igualdade de género ou os direitos humanos. Nunca o fizeram para impor visões morais ou pessoais, mas para cumprir uma função educativa, promotora da autonomia, da liberdade e da dignidade de cada aluno.
A Fenprof reconhece que há aspetos a melhorar na forma como a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento tem vindo a ser implementada, designadamente quanto aos recursos disponíveis nas escolas e ao acompanhamento técnico adequado. Considera, por isso, essencial que se promova uma reflexão séria e aprofundada sobre o percurso feito, os impactos registados e os obstáculos ainda existentes. Essa avaliação, contudo, deve ser feita com rigor, participação e responsabilidade, e não substituída por soluções impostas, precipitadas ou marcadas por motivações ideológicas.
A Fenprof continuará a defender uma abordagem construtiva e democrática da política educativa, onde a cidadania seja valorizada como um elemento essencial da formação de todos os alunos, e não sacrificada por agendas regressivas ou simplificações perigosas.
22 de julho de 2025
MECI com amarras ideológicas à direita conservadora
A propósito do documento Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), em consulta pública até 1 de agosto, o ministro da Educação afirmou, à comunicação social, que “temos de ter a certeza de que temos professores preparados para lecionar”. Infelizes estas declarações de Fernando Alexandre, porque, até hoje, os professores sempre abordaram todas as questões intrínsecas ao ser humano e à sua vida em sociedade, o que é indissociável do próprio ato de educar. Afinal, parece que é o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) que tem amarras ideológicas à direita conservadora.
Com ou sem disciplina de cidadania e desenvolvimento, os professores sempre foram capazes de tratar pedagogicamente matérias como direitos humanos, educação para a saúde, educação ambiental, educação rodoviária... Em nenhuma matéria — educação sexual incluída — os alunos terão sido incitados a qualquer comportamento ou violentados na sua sensibilidade pelo facto de, na escola, terem tratado as questões da sexualidade no enquadramento legal existente. Essas questões, abordadas por professores que tiveram ao longo dos anos muitas horas de formação sobre a matéria, não deixam de ser parte integrante da condição humana — biológica, cultural e social — que qualquer aluno precisa de desenvolver para se formar como cidadão emancipado e capaz de tomar autonomamente decisões conscientes para a sua vida.
Os professores, ao contrário do que parece acontecer com o MECI, não estão presos a agendas ideológicas castradoras da liberdade de cada um, nem pretendem impor nenhuma moral específica de um qualquer grupo a toda a sociedade. Assim, no novo quadro da disciplina de cidadania e desenvolvimento, os professores serão capazes de, com os seus alunos, refletir sobre questões da educação para a saúde e da sexualidade, sempre com o respeito pelo outro e pela dignidade de cada um como referências fundamentais na convivência escolar e social.
A Fenprof não pode deixar de registar que o anúncio de retirada de matérias da disciplina de educação para a cidadania confirma o pendor retrógrado, de cedência à direita conservadora, do governo e de notar que outras intenções reveladas neste âmbito são, elas próprias, sintoma de amarras ideológicas ao neoliberalismo que procura invadir todos os espaços da sociedade, incluindo os do condicionamento da educação e do ensino.
Considerando que a escola pública não pode ser subjugada a agendas políticas que negam o pluralismo, a diversidade e os direitos fundamentais, a Federação reafirma o seu compromisso com uma educação democrática, inclusiva e livre de tutelas ideológicas.
Documentos
- Estratégia Nacional para a Cidadania (ENEC, ainda em vigor)
- Eestratégia Nacional para a Cidadania (MECI, em discussão)
- Cidadania e desenvolvimento — Aprendizagens essenciaia (MECI, em discussão)
- Site da consulta (DGE)