Obrigado, professores (António Sampaio da Nóvoa)

7 de janeiro de 2023

António Sampaio da Nóvoa, no Público (Edição de 6 de janeiro de 2023)

A pandemia provocou a maior transformação de que há memória na história da educação e do ensino. De forma caótica, desorganizada, confusa, mas tornando inevitável uma mudança há muito necessária. É preciso não ceder a futurismos que imaginam uma educação sem escolas e sem professores, com as aprendizagens a realizarem-se em casa através do recurso a tecnologias cada vez mais sofisticadas. A educação deve ser reforçada como bem público e comum, na linha do último Relatório da UNESCO: Reimaginar juntos os nossos futuros: um novo contrato social da educação.

Em Portugal, tem faltado um sentido de mudança, um debate, uma ideia de transformação e de futuro. Tudo se esvai numa gestão curta, sem visão e sem ambição. As políticas públicas têm sido fracas e desinteressantes. A educação está sem governo.

Os processos de transformação e de metamorfose da escola não se constroem a partir de novas leis, reformas ou tecnologias, mas com a criação de condições para partilhar ideias e experiências, com liberdade e apoio dos poderes públicos. O Presidente Macron disse-o com coragem na abertura do ano escolar: temos pela frente um “grande trabalho”, mudar de método na maneira de pensar a educação, devolver o poder às escolas e aos professores, valorizar o trabalho de quem quer experimentar e fazer diferente, celebrar um pacto com os professores, atribuir-lhes uma remuneração adicional. “É uma verdadeira revolução coperniciana que vos proponho, e peso as minhas palavras”, afirmou.

Em Portugal, a regra tem sido a indiferença ou mesmo o esquecimento, quando não alguma hostilidade, em relação aos professores.

Há quase vinte anos, assistimos a políticas educativas que, apesar da sua clarividência em muitos temas, procuraram ganhar legitimidade acusando os professores de imobilismo e corporativismo. É de má memória a tese de que perder os professores não seria grave se se ganhassem os pais e a opinião pública.

Nos últimos sete anos, o melhor que se pode dizer é que houve indiferença em relação aos professores. Iniciativas de atracção de jovens para a profissão? Nada. Políticas de formação de professores? Nada. Mudanças no recrutamento dos professores? Nada. Novos processos de indução profissional? Nada. Medidas de protecção dos professores e do seu bem-estar? Nada. Disposições para facilitar e desburocratizar o dia-a-dia dos professores? Nada. Valorização das carreiras docentes? Nada. Incentivos para projectos de inovação? Nada.

Mas o pior é mesmo a falta de reconhecimento da profissão, a inexistência de uma ideia de futuro, o que causa um mal-estar profundo. O Presidente Macron tem razão, uma vez mais, quando aponta a necessidade de reconstruir um sentido para a profissão, e convida os responsáveis políticos a apoiarem sem reservas os professores. Acrescenta ainda que as dinâmicas de inovação devem ser construídas por adesão voluntária dos professores, no exercício da sua autonomia e liberdade: “Estamos aqui para vos ajudar, de forma séria, porque vocês vão mudar a vossa vida, e a vida dos vossos alunos”.

Em Portugal, os movimentos recentes dos professores acordaram-nos. Estão a romper com a letargia reinante. Temos de lhes dizer “Obrigado”. Porque com este gesto abrem um tempo de debate sobre os caminhos da educação. Não é apenas o seu futuro que está em causa, é mesmo o futuro da escola como espaço público e comum.

Se a política não serve para assumir uma maior responsabilidade pelo futuro, como escreveu Max Weber, então para que serve? Se as políticas de educação não servem para apoiar uma reflexão sobre os futuros da educação, para abrir novas possibilidades de futuro, então para que servem?

Os professores são decisivos para o nosso presente e para o nosso futuro. Nada os pode substituir. A transformação da educação começa com os professores. Merecem o nosso respeito e gratidão.

 

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