UP recorre de sentença de condenação de assédio moral ignorando o essencial

17 de dezembro de 2019

UP recorre de sentença de condenação de assédio moral ignorando o essencial

Em notícia datada de 15 de novembro, SPN divulgava a condenação da Universidade do Porto (UO) e três dos dirigentes de órgãos da Faculdade de Medicina num processo de assédio moral a uma docente desta instituição. (ver abaixo)

À altura dos factos, o SPN reuniu duas vezes com o então diretor da Faculdade e uma vez com o próprio reitor da UP, alertando para a situação vivida pela colega e pedindo que estas entidades interviessem. Não foi tomada qualquer medida no sentido de proteger a colega e condenar quem a acossava.

Em 15 de dezembro, o jornal «Público» publicou uma notícia onde faz o relato da sentença e através da qual ficámos a saber que a UP decidiu recorrer da mesma.

Não pode o SPN deixar de lamentar esta posição da UP que, embora legítima no plano legal, ignora o essencial.

Do ponto de vista do Sindicato, a UP deveria começar por afirmar que enquanto instituição condena toda e qualquer forma de assédio moral; em segundo lugar, devia a UP demonstrar que ações iria tomar para que situações semelhantes não se repitam e que, caso surjam, que mecanismos criará para que sejam prevenidas; em terceiro lugar, é lamentável que a UP não tenha uma palavra de solidariedade para com a colega e de condenação do sucedido.

Seria bom que o que é afirmado nos Estatutos da UP, no seu artigo 2.º, sob a epígrafe ‘Valores’, nomeadamente que “a Universidade do Porto pauta a sua atuação por elevados padrões éticos” e que se preocupa “com a realização pessoal de todos os que a integram” não fosse um mero enunciado de princípios sem qualquer tradução prática.

Infelizmente, sabemos que este não é um caso isolado. Existem na academia (em Portugal, não apenas na UP) várias situações de abuso de poder e que muitas acabam por constituir também processos de assédio moral aos trabalhadores, em particular aos que têm situações laborais mais débeis e precárias.

Por último, perante a gravidade dos factos, a única coisa que a Universidade do Porto tem a dizer é que vai recorrer da sentença?

Departamento de Ensino Superior do SPN

15 de novembro de 2019
Assédio moral no trabalho

Universidade do Porto condenada

A Universidade do Porto, dois professores e o diretor da Faculdade em causa à altura dos factos, foram solidariamente condenados por assédio moral de uma professora, com a categoria de assistente.

A situação de assédio, agora dada como provada pelo TAF do Porto, arrastou-se por longos anos, desde 2004, traduzindo-se em grande desgaste psicológico da colega e perseguição, com graves consequências na sua atividade profissional.

O Sindicato dos Professores do Norte, cujos serviços jurídicos defenderam a colega, não pode deixar de realçar o que esta sentença representa e o que revela da vida interna da academia, nomeadamente no que respeita à prepotência, à falta de democracia e de respeito pelos direitos dos professores, bem como da ausência de mecanismos que impeçam a continuidade de situações de assédio moral no local de trabalho.

A este propósito, e independentemente do resultado de um eventual recurso, lamenta o SPN que as iniciativas que tomou para alertar para a situação vivida pela colega não tenham tido uma resposta à altura das suas responsabilidades por parte das autoridades académicas.

Nesta sentença, é feito um extensivo enquadramento do assédio moral. Congratulamo-nos com o facto de os tribunais começarem, finalmente, a reconhecer a problemática do assédio moral nas instituições de ensino superior.

O TAF do Porto reconhece que à “Faculdade, à Reitoria da Universidade do Porto e aos seus dirigentes exigia-se uma conduta mais diligente no sentido da proteção da trabalhadora ora em causa, sobretudo, porque se trata, pública, reconhecida e notoriamente, de instituições públicas do ensino superior universitário, cuja imagem e renome nacional e internacional não deve ficar refém de comportamentos humilhantes e discriminatórios como aqueles que foram infligidos à A.[autora] no ambiente laboral da própria Universidade”, colocando assim em evidência a responsabilidade das direções das instituições, e mesmo da reitoria, na proteção dos trabalhadores contra abusos perpetrados por agentes doutros níveis hierárquicos.

Não podemos esquecer que nestas questões está em causa não só a situação laboral mas também a saúde das pessoas, que nenhum tribunal consegue repor.

Por fim, o SPN espera que este caso sirva para que a comunidade académica se torne mais solidária e consciente dos problemas que o atual Regime de Jurídico das Instituições de Ensino Superior propicia, e que exija mais participação e mais democracia nas instituições.

 

A Direção do Sindicato dos Professores do Norte

Porto, 14 de novembro de 2019


 

Destaques da sentença 

 

[…]

“A diferença, que ocorre no assédio dos nossos dias com o que ocorria anteriormente, reside, essencialmente, nas suas intensificação, gravidade, amplitude, à banalização do fenómeno, à abordagem que estabelece o nexo causal com a organização do trabalho, aumentos e banalização que se devem, em grande parte, à enorme concorrência entre as empresas e à grande precariedade do trabalho.

O assédio é, pois, um fenómeno grave que acarreta sérias consequências para a saúde física e mental dos trabalhadores.

De acordo com a Resolução do Parlamento Europeu sobre assédio moral no local de trabalho (2339/2001) o assédio moral constitui um risco potencial para a saúde dos indivíduos, conduzindo frequentemente a doenças relacionadas com stresse laboral.“

[…]

“Contudo, parece poder considerar-se, com o contributo das várias áreas que estudam o fenómeno e do significado das várias denominações que lhe foram atribuídas a nível dos vários países, como assédio moral a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante o trabalho, sendo que em consequência desta conduta, a vítima é isolada do grupo, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada e culpabilizada diante dos seus colegas de trabalho.”

[…]

“«A pessoa perseguida e angustiada passará a ser frequentemente menos produtiva, mostrará uma maior propensão para cometer erros, dará mostras de maior absentismo – tudo circunstâncias que poderão ser utilizadas contra ela em eventuais procedimentos disciplinares. Em certos casos, aliás, o assédio não terá nascido espontaneamente; com efeito, algumas empresas parecem lançar mão de um assédio estratégico, mais ou menos generalizado.»”

[…]

O réu na qualidade de Diretor do Departamento, “adoptou uma medida de gestão que se reputa de discriminativa, não igualitária, hostil e inferiorizante para a A., violando frontalmente, como agente administrativo, princípios gerais que vinculam a actuação da Administração Pública, como sejam, os princípios fundamentais da igualdade e da imparcialidade, vertidos nos 13.º e 266.º, n.º 2, da CRP, e nos artigos 5.º e 6.º do CPA.

Os factos atrás dilucidados têm de ser vistos em conjunto, como uma situação complexa e prolongada no tempo, coincidente com o início e o fim da relação contratual da A. com a Ré Universidade do Porto, considerados numa sequência repetitiva de situações tendentes à humilhação, ao constrangimento, à inferiorização e à discriminação negativa da Impetrante em ambiente laboral.”

 […]

Quer isto dizer, então, que o Réu, enquanto Director da Faculdade e dirigente de uma unidade funcional da Universidade do Porto, “omitiu ilicitamente o seu dever de garante dos direitos atrás elencados – o direito à integridade moral da A. em ambiente laboral e os direitos à igualdade e imparcialidade no tratamento.”

 

Anexos

Publico - assedio moral na UP 15dez2019

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