Contributos da Fenprof para os Cursos Artísticos Especializados

19 de maio de 2021

Foi criado, pelo Despacho n.º 435-A/2021, de 12 de janeiro, um grupo de trabalho para os cursos artísticos especializados, constituído por:

a) Um representante do Ministro da Educação;

b) Um representante do Secretário de Estado Adjunto e da Educação;

c) Um representante da Secretária de Estado da Educação;

d) A presidente do CD da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, que coordena;

e) O presidente do CD do Instituto de Gestão Financeira da Educação, I. P.;

f) O diretor-geral da Educação;

g) O diretor-geral dos Estabelecimentos Escolares;

h) O diretor-geral de Estatísticas da Educação e Ciência;

i) A diretora-geral de Administração Escolar;

j) Um representante da Ensemble - Associação Portuguesa de Instituições de Ensino de Música;

k) Um representante da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo;

l) Um representante dos Estabelecimentos de Ensino Público do Ensino Artístico, designado pelo Ministro da Educação;

m) Duas personalidades de reconhecido mérito, designadas pelo Ministro da Educação.

De acordo com a missão definida no despacho merecerão consideração questões como a análise da evolução das ofertas educativas e formativas, propostas de reordenamento da rede, a avaliação do atual modelo de financiamento no âmbito dos contratos de patrocínio, podendo haver lugar a alterações normativas.

Em face das matérias em causa, a Fenprof lamenta a ausência de representantes das associações sindicais de docentes no grupo de trabalho, dadas as implicações diretas na vida socioprofissional dos docentes, nomeadamente nas suas condições de trabalho, que poderão resultar das medidas que venham a ser adotadas.

Neste enquadramento, e na sequência das tomadas de posição da Fenprof em relação ao ensino artístico especializado (EAE), vem agora a Federação contribuir para a discussão em curso. Chamado a cumprir objetivos de elevada especialização técnica e artística, o EAE destina-se a desenvolver “aptidões ou talentos em alguma área artística específica”, conforme o previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 344/90, de 2 de novembro. Este traço, que diferencia o EAE do ensino artístico genérico, determinou que a educação artística vocacional seja “ministrada em escolas especializadas, públicas, particulares ou cooperativas” (n.º 1 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 344/90). 

A oferta de EAE vem sendo promovida em todo o território nacional, respondendo a uma crescente procura da educação artística, mobilizando recursos financeiros do Estado e empregando um crescente número de profissionais habilitados para o efeito. Por razões de ordem vária, a rede do EAE não reflete o comando constitucional (n.º 1 do artigo 75.º da CRP) segundo o qual “o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. Com efeito, a rede pública do EAE (no território continental) resume-se a, apenas, sete escolas de Música (duas delas com oferta em Dança), uma escola de Dança e quatro agrupamentos de escolas com oferta artística especializada. Na prática a rede de EAE assenta, no fundamental, nas 130 escolas particulares e cooperativas que lecionam cursos artísticos nos regimes de frequência integrado e articulado (com estabelecimentos de ensino de proximidade), razão pela qual o financiamento deste setor apresenta necessidades e condicionantes específicas.

Tendo em conta este cenário, a Fenprof considera que:

Docentes

O modelo de financiamento baseado no custo por aluno não se adequa às necessidades existentes, uma vez que não acompanha as especificidades locais a nível de constituição dos corpos docentes (em habilitação e antiguidade), para além de não diferenciar a natureza das escolas (também no plano do proveito financeiro).

Em matéria de financiamento dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo deverá ser reposta a regra do escalonamento no financiamento dos contratos de patrocínio, tomando em consideração as habilitações profissionais e a antiguidade dos docentes.

O modelo de funcionamento não deverá impedir/limitar a progressão na carreira docente, devendo orientar a organização e duração dos horários letivos dos docentes do ensino particular e cooperativos no sentido da adoção de boas práticas em vigor no ensino público.

Considera-se ainda, que o ME deverá fiscalizar e controlar devidamente as verbas públicas transferidas para os estabelecimentos de ensino, de modo a evitar a sua utilização para fins distintos do seu objetivo. Neste sentido, entre outras, deverá fiscalizar o cumprimento dos planos curriculares que integram as candidaturas ao contrato de patrocínio.

Constata-se, numa situação que é comum aos docentes do ensino regular, o atual impedimento de acesso, pelos professores das escolas públicas com horário não completo, à estabilidade contratual, ao contrário do que acontece no ensino particular e cooperativo. Esta situação respeita a docentes, como os de Línguas de Reportório, contratados anual e continuadamente, mas que, pelo peso relativo dos alunos de Canto em cada uma das escolas do EAE, veem-se privados da celebração de contrato correspondente ao seu papel na estrutura educativa, encontrando-se mesmo impedidos de renovar contrato nos termos da legislação em vigor [alínea a), n.º 5 do Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março].

Importa, igualmente, esclarecer a situação contratual dos acompanhadores das escolas de música e de dança, os quais, sendo habilitados para a docência, cumprem tarefas hoje consideradas essenciais para a construção do perfil dos alunos do EAE. A situação de desempenho destes profissionais encontra-se estabilizada na rede pública carecendo, porém, de enquadramento legal. Já no caso de parte significativa das escolas do ensino particular e cooperativo, o trabalho profissional de acompanhamento é encarado como tarefa casual, não sujeita sequer a atribuição de horário.

Merece nota, ainda, a desatualização do elenco de habilitações dos docentes de música das escolas do ensino artístico especializado. Com efeito, em áreas como o jazz e a música antiga, por exemplo, a formação inicial de professores coloca no mercado de trabalho docentes cuja habilitação não se encontra refletida nos subgrupos de docência constantes da Portaria n.º 693/98, de 3 de setembro, e legislação subsequente, estando igualmente ausente dos subgrupos indicados nas aplicações de concurso disponibilizadas pelo SIGRHE.

Rede

O modelo de financiamento em vigor possibilita situações de opacidade no plano da distribuição de escolas no território nacional, privilegiando uma lógica empresarial e concorrencial, que deveria estar ausente (também) do EAE.

A rede nacional do ensino artístico especializado, articulada entre diversas escolas tipificadas, salvaguardando a indicação de uma escola de referência por cada unidade territorial (a definir), responsável pela coordenação educativa e a monitorização das escolas da área territorial.

O Estado deverá valorizar a possibilidade de alargamento da rede pública, quer na produção de oferta própria em zonas carenciadas, quer na instalação de escolas de referência (acima referidas), como forma de consolidar a rede constituída em cada unidade territorial.

Considerações complementares

Num país em que o desempenho teatral profissional vem assumindo particular relevo, a Fenprof considera urgente o alargamento da oferta educativa nesgta área artística, ampliando a já existente no plano do ensino profissional.

A Fenprof considera que a reestruturação e reforço do ensino artístico especializado, nos moldes acima propostos, não dispensa o governo de promover, reforçar e dignificar a educação artística no ensino genérico, em todos os níveis de ensino. Com efeito, a especialização que se constitui missão do EAE, não elitizada nem condicionada por elementos estranhos à finalidade deste tipo de ensino, depende, em grande medida, do acesso a uma educação artística não especializada, de experimentação e descoberta, para cuja operacionalização deverão, de resto, ser mobilizados docentes formados em contexto especializado, capazes de orientar as “comprovadas aptidões ou talentos” a que a legislação de enquadramento do EAE se refere.

Finalmente, sem que tal se possa considerar desligado das questões em análise, a Fenprof considera que nenhuma política para o ensino artístico deverá/poderá estar desligada da política do governo para a Cultura. Sendo da formação de artistas que estamos a falar, o ensino artístico não pode alcançar qualquer dos seus objetivos sem a existência de uma política cultural assumida pelo governo como pilar essencial de uma sociedade democrática. É essencial que o governo assuma corajosamente a dotação orçamental para a área da Cultura de, pelo menos, 1% do Orçamento de Estado (conforme recomendação expressa da UNESCO); que se criem estruturas de produção artística diretamente dependentes do Estado, com cobertura nacional (orquestras e grupos de câmara, companhias de ópera, bailado e teatro) e apoio a estruturas e projetos profissionais independentes. A resposta às legítimas expectativas dos alunos que frequentam o EAE depende, efetivamente, da articulação entre as áreas da Educação e da Cultura, cabendo, de resto, ao próprio ministro da Educação (no despacho em causa) a afirmação de que os cursos artísticos especializados "revelam-se, hoje, participantes ativos no desenvolvimento artístico e cultural da sociedade”.

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