Das Escolas Primárias de Salazar aos Contentores de Sócrates

31 de outubro de 2007

Não se pretende nestas linhas traçar um paralelo entre o rústico ditador de Santa Comba Dão e o light primeiro-ministro de hoje. Apenas assinalar o nascimento e o fim de um certo tipo de escola e o advento de um outro.

            Nos tempos do bafiento Estado Novo foram plantadas Escolas Primárias por todo o território nacional, desde a aldeia mais recôndita ao aglomerado populacional mais urbano. Nesses edifícios, além do ensino do célebre ler, escrever e contar, podavam-se as mentes moças, não fossem estas vir a questionar as bases e os valores do regime. A Escola era, tal como hoje e sempre, um importante instrumento ao serviço do Estado e do conceito de sociedade por este perseguido. O país era rural, os aglomerados populacionais pequenos, as mulheres domésticas e a Escola Primária cumpria o papel a ela destinado.

            As transformações sociais ocorridas no chamado Pós-guerra com as obras públicas, a industrialização do país, a guerra colonial, a emigração em massa, o 25 de Abril (o marco da modernidade portuguesa), a emancipação feminina, a entrada na CEE, a desindustrialização, a terciarização da economia, o desemprego, etc., mudaram completamente Portugal. Nesta vertigem de acontecimentos a velha Escola Primária lá se foi aguentando, com as suas cinco horas diárias, sem merecer o investimento que as transformações sociais exigiam, designadamente: na requalificação do parque escolar, na generalização das actividades de enriquecimento curricular, na docência coadjuvada para leccionação das Expressões e do Inglês, nas equipas de apoio multidisciplinares (psicólogos, assistentes sociais, etc.), no apoio social às famílias (ATL), etc..

            Mas eis que, em Março de 2005, chegam ao poder, o cidadão Pinto de Sousa, José Sócrates de sua graça, e a cidadã Maria de Lurdes, também incontestável por feitio, e anunciam com solenidade um tempo novo. Um tempo com Centros Escolares devidamente apetrechados por todo o lado, computadores e banda larga em todas as escolas, escola a tempo inteiro e muitas coisas mais que aqui não cabem.

            Tão profunda e tecnológica revolução, feita ainda por cima com redução orçamental, teve vários senãos, dois dos quais, milhares de professores no desemprego e mais de duas mil escolas EB1 encerradas (das 4500 a abater até 2010) já se fazem sentir.  

A meio da legislatura será justo fazer algumas perguntas:

            - Onde estão os prometidos Centros Escolares e quantos vão ser construídos até 2010?

            - Quantas gerações de alunos do 1º ciclo vão sair de Contentores e de escolas EB1 sobrelotadas, com horários diários de 8 horas e trinta minutos?

            - Quais serão as consequências na aprendizagem dos alunos oriundos de Contentores ou de salas, que servem de sala de aula, de cantina, de espaço desportivo, de atelier de expressão plástica e de sala de Educação Musical?

            Torna-se pouco a pouco evidente que tudo isto não passou de um truque, pois grande parte dos Centros Escolares previstos nunca serão construídos. O engodo foi feito jogando com algumas aspirações justas de pais e professores, como o alargamento do horário e as turmas de ano, e com a miragem nos Centros Escolares devidamente apetrechados. Este truque permitiu concentrar alunos e professores para os gerir como quem gere mercadorias. Mais uma vez, com a palavra escondeu-se o pensamento.

            A velha Escola Primária morreu. Inaugurou-se um novo tempo na Escola Portuguesa. O tempo do Contentor.

 

Francisco Gonçalves

Agrupamento de Escolas de Arouca

 

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