E@D – Carta aberta ao Primeiro-Ministro

1 de fevereiro de 2021

Ensino a distância faz retomar preocupações com as condições de trabalho e com o processo ensino-aprendizagem

O Governo teve entre seis e oito meses para fazer o “trabalho de casa”, confiando na opinião dos especialistas e preparando-se para problemas que uma segunda e terceira vagas da pandemia iriam levantar. Porém, iniciou o novo ano letivo com aulas presenciais, como era defendido pela generalidade da sociedade, incluindo os docentes, mas sem tomar medidas que garantissem os adequados níveis de confiança e segurança a alunos, professores, pais e encarregados de educação, bem como a assistentes operacionais, administrativos e outros profissionais não docentes das escolas.

Antes do arranque do presente ano letivo, as escolas não agrupadas e agrupamentos de escolas tiveram de preparar, discutir e aprovar os seus próprios planos de contingência, prevendo, já, medidas a tomar perante vários cenários de regime de funcionamento.

Propostas essas que assentaram em compromissos que foram assumidos pelo governo, mas sempre adiados. É exemplo disso a não cumprida entrega de equipamento informático e a criação de condições para acesso à banda larga de Internet para alunos e professores, o que, obviamente, constitui mais um grave condicionamento do direito dos alunos à igualdade de oportunidades de acesso ao ensino e uma subversão dos direitos dos professores às “ferramentas” para o seu exercício profissional.

A Fenprof insistiu desde julho, reafirmou em setembro e persistiu ao longo de todo o primeiro período, na necessidade de o ano letivo decorrer em condições adequadas de organização e funcionamento, mas o Ministério da Educação não as garantiu, refugiando-se na afirmação, que nunca fundamentou, de que as escolas não eram locais de contágio. Tal comportamento redunda, agora, na impossibilidade de, à distância, todos terem as condições necessárias para que o ensino seja bem-sucedido.

Neste contexto de desvalorização da Escola Pública, com indisfarçável responsabilidade do Ministério da Educação e do Governo, ganha importância perceber quais as capacidades das escolas de recurso a ferramentas digitais, ao ensino a distância, à transmissão de aulas em direto, à gravação de aulas e posterior disponibilização. Afigura-se evidente a ideia de que é necessário um forte e urgente investimento, nesta fase, em equipamentos de qualidade, permitindo que todos se liguem com facilidade (banda larga, computadores, software e capacidade de utilização destes novos recursos).

A Fenprof, nesta matéria, alerta para o facto de o governo incorrer numa ilegalidade, resultante da impreparação para lidar com o problema, por não ter acautelado, apesar do tempo que passou e dos compromissos que assumiu, as medidas necessárias para que a Escola Pública dê uma resposta adequada num quadro de ensino a distância.

Mais uma vez, e porque nunca houve disponibilidade, da parte do Governo/ME, para dialogar e negociar aspetos de ordem socioprofissional que são de abordagem premente, o desequilíbrio entre as oportunidades que surgem com a digitalização do ensino e os efeitos que geram ao nível das relações interpessoais e nas relações de trabalho e emprego volta a estar em cima da mesa e, particularmente no que aos docentes diz respeito, colocam questões a que deve corresponder o cumprimento da legalidade, designadamente quanto a: disponibilização, instalação e manutenção de equipamentos, conforme impõe o Código de Trabalho; privacidade, proteção de dados e de informação pessoal; bullying e assédio moral; intensificação e desregulação do tempo de trabalho e agravamento do sobretrabalho; défices de habilitação funcional de professores e alunos; aumento do stress profissional.

Estas são preocupações que devem ser olhadas como gerais das sociedades, num quadro de desenvolvimento civilizacional e social. No entanto, perspetivando-se dificuldades que se adivinham, lembramos que, aos docentes, num quadro do enorme respeito que devem merecer, particularmente, do Governo Português, deverão ser garantidos: respeito pelo horário de trabalho, incluindo a organização das suas três componentes (letiva, não letiva de estabelecimento e não letiva individual), atribuído no início do ano letivo; o não aumento do número de reuniões multiplicadoras da burocracia instalada pelo aparelho da administração educativa; a manutenção do horário de componente não letiva de estabelecimento, nele devendo ocorrer as tarefas estabelecidas pelo Estatuto da Carreira Docente, designadamente o atendimento de pais e encarregados de educação ou tarefas burocráticas.

São, também, preocupações dos professores outras, não menos importantes, de ordem pedagógica e social. Estamos certos de que as escolas procurarão fazer-lhes face, com o seu conhecimento e competência. No entanto, caberá ao Governo de V. Ex.ª manter um olhar atento nesse acompanhamento e no apoio de que, seguramente, necessitarão, designadamente quanto a: alteração das relações sociais que se estabelecem entre docentes e destes com os seus alunos e famílias; alterações a nível da motivação dos alunos para as aprendizagens; dificuldades na verificação das aprendizagens e do envolvimento dos alunos; segregação, ainda maior, dos já mais discriminados e surgimento de novas situações indesejáveis; abandono social; aumento das desigualdades entre alunos.

Estas não são preocupações que percorrem, exclusivamente, a sociedade portuguesa. São, hoje, objeto de reflexão e intervenção no plano europeu e mundial. Num quadro de exercício da Presidência da União Europeia pelo Governo Português, é nossa convicção que caberá a V. Ex.ª liderar a procura de soluções urgentes para que Portugal possa continuar a orgulhar-se do seu Serviço Público de Educação e Ensino: a Escola Pública. E, neste, os docentes são, seguramente, recurso insubstituível. O direito ao trabalho com direitos é fundamental e, sendo verdade que todos temos o dever de colaborar para a resolução do problema sanitário que vivemos, não é compreensível nem tolerável que, para lhe fazer face, se criem outros problemas que não deixariam de ter, também, muito graves consequências.

Anexos

Carta Aberta ao Primeiro-ministro (01.02.2021)

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