MANIFESTO EUROPEU DOS SINDICATOS DA INVESTIGAÇÃO E DO ENSINO SUPERIOR PARA SAIR DA CRISE

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A presente crise económica e financeira a nível europeu e mundial acabará por se converter numa crise social de enormes proporções se os Estados e os Governos adoptarem um programa de medidas estreitas e míopes. Parece claro que "a cura pode vir a revelar-se pior que a doença".

A expansão do património do conhecimento humano e a sua transmissão a novas gerações estão entre os mais nobres objetivos da humanidade. Mas são também elementos absolutamente vitais e indispensáveis ao nosso bem-estar económico, social, democrático, cultural e ético.

Não conseguir manter e aumentar o investimento público na educação e na investigação, a todos os níveis, deveria ser algo tão impensável como recusar-se a comprar e semear as sementes para a próxima colheita.

De igual forma, a valiosa herança do Ensino Superior e Investigação Europeus, baseada em caraterísticas tão fundamentais como a cooperação, a liberdade académica, a autonomia institucional e a governação colegial, não deve ser destruída pelos atuais cortes na despesa pública nem pelas formas simplistas de gestão empresarial e reestruturações que estão a ser implementadas, bem como pela competição, pela focalização apenas no interesse dos negócios e nas necessidades económicas a curto prazo.

Portanto, nós, Sindicatos do Ensino Superior e da Investigação listados abaixo, lançamos este Manifesto como um apelo à ação na defesa e melhoria dos nossos sistemas de ensino superior e investigação, porque eles são uma parte integrante da herança dos nossos povos e das sociedades livres e democráticas, e serão fundamentais na construção de um futuro melhor.

Apelamos aos nossos Governos e às Instituições Europeias para que regressem aos princípios de uma Europa social, em cooperação e solidariedade com todas as regiões do mundo, cimentada num alto nível de investigação e educação.

Em particular, pedimos apoio para as seguintes exigências, que visam conseguir estes objectivos gerais.

1. O conhecimento como bem público.

O conhecimento está entre os bens públicos que não podem nem devem ser reduzidos a uma mera mercadoria. O uso e a circulação do conhecimento não o gastam, pelo contrário, alimentam-no e ajudam-no a crescer. Hoje em dia, no entanto, a produção e a transmissão do conhecimento estão sujeitas a um processo mundial de mercantilização crescente. A privatização do conhecimento entrava o progresso cívico e democrático, e compromete a liberdade académica para investigar e ensinar. Pelo contrário, nós queremos defender e reforçar a natureza pública dos sistemas de ensino superior e de investigação europeus.

2. Os recursos adequados aos objectivos.

Os objectivos da Estratégia de Lisboa não foram atingidos e podemos dizer que os da Europa 2020 se virão a revelar inadequados para promover uma combinação de desenvolvimento sustentável, direitos de cidadania e democracia real. Nos últimos anos, a Europa investiu demasiado pouco, e de forma inadequada, no ensino superior e na investigação. Devido a este estado de coisas, devem ser amplamente apoiadas a investigação fundamental e a investigação em áreas científicas que, não gerando um benefício económico imediato, melhoram a qualidade de vida dos cidadãos.

3. Aumentar as oportunidades de acesso de todos os estudantes ao ensino superior.

O ensino superior deve ser acessível a todos os estudantes. Opomo-nos em absoluto ao aumento das propinas, tanto mais que o sistema de empréstimos se veio a revelar inadequado onde quer que tenha sido introduzido.

4. Tornar efectiva em toda a Europa a “Carta Europeia do Investigador” e implementar a “Recomendação da UNESCO de 1997, relativa à Condição do Pessoal Docente do Ensino Superior”.

A Carta Europeia do Investigador inclui uma série de princípios gerais e de requisitos que definem o papel, as responsabilidades e os direitos dos investigadores e das instituições que os contratam e financiam. Este documento ainda não se aplica em muitos dos estados da União Europeia, pelo que devemos assumir como prioridade o cumprimento dos princípios da Carta e assegurar que se apliquem as medidas nela contidas, exceto as que se referem à remuneração individual. A nossa concepção de investigação pública implica que a contratação, salários e outras condições relativas aos investigadores públicos não devem basear-se nas regras do mercado de trabalho. Por outro lado, nos países onde o doutoramento constitui um requisito de acesso às carreiras docente e de investigação nas instituições públicas, essa exigência deve manter-se. Da mesma forma, os investigadores em formação deveriam ser reconhecidos como profissionais de investigação.

Igualmente premente é a necessidade de estender os direitos e a proteção social a todas aquelas outras modalidades de docência e investigação não contempladas na Carta Europeia do Investigador e que, na prática, permanecem invisíveis. A este respeito, cremos que a Europa deve adoptar a Recomendação da UNESCO de 1997, relativa à Condição do Pessoal Docente do Ensino Superior. Finalmente, é nossa convicção que a defesa e o reforço da autonomia na investigação e no ensino, bem como a autonomia plena das instituições públicas de ensino superior e de investigação, só podem ser alcançados em condições definidas e claras de responsabilidade pública e de governação colegial.

5. Qualidade na investigação e na docência.

A qualidade da educação das novas gerações assenta na qualidade do ensino. Isto implica, entre outras medidas, a existência de mais unidades de ensino de pequena dimensão. Um ensino baseado numa abordagem abrangente não pode separar-se da investigação, porque é também através do ensino que as descobertas recentes são divulgadas. No entanto, não pode haver garantias de qualidade no ensino e na investigação sem políticas de investimento no sistema de ensino superior e de investigação. Professores e investigadores só podem dar o seu melhor em termos de qualidade profissional com um financiamento adequado, uma governação colegial das instituições e uma plena liberdade académica.

6. Tornar as carreiras profissionais atrativas, potenciando o recrutamento de pessoal docente e investigador altamente qualificado.

Uma carreira atrativa é fundamental para incrementar o número de docentes e investigadores nas instituições europeias. Segurança no emprego, ambiente de trabalho propício, instalações e equipamento adequados, plena liberdade académica, colegialidade e oportunidades de carreira e, por último, mas não menos importante, salários adequados, são os principais fatores que configuram uma carreira atrativa. Elevar o estatuto do pessoal docente e investigador deve ser uma prioridade. Sem uma melhoria das condições de trabalho, os objectivos europeus nunca serão alcançados.

7. Mobilidade.

Para se construir a cidadania europeia e a integração cultural, bem como um Espaço Europeu do Ensino Superior e Investigação, é absolutamente necessário incentivar, sem a tornar obrigatória, a mobilidade internacional de docentes, investigadores e estudantes, como uma fonte primária de crescimento cultural e desenvolvimento científico. No entanto, para que isso aconteça, há que assegurar a garantia de protecção pessoal e profissional durante a mobilidade, por um lado, e além disso o financiamento público necessário a uma igualdade real de acesso à mobilidade, qualquer que seja a procedência social ou geográfica dos estudantes.

8. Uma avaliação não-burocrática para melhorar o sistema.

Para que os investigadores e os docentes não receiem a avaliação do seu trabalho e a tomem como uma boa oportunidade para avançar e melhorar, deve-se valorizar a avaliação do sistema e o processo de avaliação. A avaliação não pode deixar de ter em conta as especificidades e as tradições das diversas áreas científicas e disciplinares, nem pode ser aplicada como uma ferramenta para limitar a liberdade académica na investigação ou no ensino, e também não deve servir para premiar unicamente as correntes dominantes da investigação. Deve ser realizada por pares, ser colegial, transparente, e garantir a possibilidade de recurso. Por todas estas razões, é necessário repensar a relação entre os investigadores e os docentes e os recursos financeiros disponíveis, e entre as metas e os objectivos das instituições de ensino superior e da investigação. Finalmente, a avaliação deve ser aplicada como uma ferramenta para melhorar e apoiar a qualidade, as competências profissionais e as instituições.

9. Igualdade nos processos de tomada de decisão e autogoverno.

A fim de defender a sua natureza pública, as instituições de ensino superior e de investigação devem democratizar-se e a sua autonomia deve assentar na colegialidade e na responsabilidade partilhada. Todo o pessoal deve poder participar nos processos de discussão e tomada de decisão, independentemente da sua função na instituição. Além disso, deve ser dada maior importância aos representantes dos trabalhadores e mais direitos aos membros eleitos nas organizações do ensino superior.

10. Igualdade de género e não discriminação.

As mulheres estão sub-representadas nos lugares de tomada de decisão nos sectores académico e de investigação, e queremos incentivos para aumentar a proporção de mulheres em todas as fases da carreira profissional, especialmente no que respeita às cátedras e cargos directivos, para assim reduzir o fosso entre mulheres e homens. De um modo geral, o desempenho das instituições de ensino superior e de investigação deve ser avaliado à luz de seu sucesso na implementação de condições de equidade e de não discriminação. Para reduzir as diferenças de género e garantir políticas efectivas de não discriminação, é necessário todo um sistema de proteção social que assegure os direitos e o acesso aos serviços sociais para todos os trabalhadores, independentemente de serem homens ou mulheres, com especial destaque para os direitos de parentalidade e de igualdade de oportunidades.

11. Defesa do emprego, aumento dos salários e garantia de estabilidade.

Os professores, investigadores e todos os funcionários têm direito à proteção oferecida pelos processos de negociação coletiva, ou a estar enquadrados por um estatuto nacional. A qualidade da investigação e da docência baseia-se em direitos, em salários adequados, num nível de vida decente e na segurança de emprego. Apelamos ao reforço e ampliação dos sistemas educativos públicos e dos direitos e proteção que beneficiem os trabalhadores. Finalmente, defendemos um sistema universal em que o apoio aos rendimentos dos povos e o seu progresso na investigação e na educação sejam indispensáveis.

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