No dia em que a AR suspende alterações curriculares, FENPROF reafirma importância da jornada do Campo Pequeno

“Hoje é um dia importante para a escola e para os professores”, foi assim que Mário Nogueira abriu a conferência de imprensa (foto) realizada na passada sexta-feira, 4 de Março, após a reunião de dois dias do Secretariado Nacional da FENPROF. O dirigente sindical comentava a tomada de posição da Assembleia da República que anulou as alterações curriculares que o Governo tinha aprovado em Conselho de Ministros e imposto através de um decreto-lei publicado no dia 2 de Fevereiro. “A cessação da vigência é, de facto, uma vitória em primeiro lugar para a escola e o ensino e também para os professores”, afirmou o Secretário Geral da FENPROF. “Era um decreto lei orientado num só sentido: a poupança, o economicismo, à custa da dispensa de professores e com consequências na qualidade do ensino”, acrescentou.

Recorde-se que aquelas alterações curriculares apontavam para alterações ao Estudo Acompanhado e Área Projecto e ao fim do par pedagógico em EVT. “Curioso é que quando se soube ontem (3 de Março) que a Assembleia da República poderia tomar esta posição, de cessação da vigência, as primeiras reacções que a senhora ministra trouxe a público ficaram-se por este lamento: isto agora vai ficar muito caro!”, observou Mário Nogueira.

Acompanhado na Mesa deste encontro com a comunicação social pelos dirigentes António Avelãs (SPGL), Abel Macedo (SPN), Anabela Sotaia (SPRC), Joaquim Páscoa (SPZS) e António Lucas (SPRA), o Secretário Geral da FENPROF criticou “o rumo economicista, puro e duro” que marca a actuação do Governo no plano das políticas e das funções sociais do Estado e registou: “Hoje não temos políticas educativas. Quem decide, quem define não está no Ministério da Educação. Não temos interlocutor. Quem impõe normas é o Ministério das Finanças”.

12 de Março: “a nossa primeira final”

Considerando como “extremamente importante” a iniciativa dos deputados, o dirigente sindical realçou “a atitude combativa dos docentes”, garantindo que “outros resultados poderão vir a ser obtidos” e que “vale a pena lutar”. Uma luta, frisou, que vai prosseguir no Campo Pequeno no próximo dia 12: “uma referência emblemática para os professores e educadores portugueses”, que ali estiveram nos anos 90, no início de uma caminhada, que hoje continua, “em defesa de um Estatuto digno”.

Recorrendo a uma expressão desportiva, Mário Nogueira salientou que a jornada do Campo Pequeno será “a nossa primeira final” e que outras se seguirão. “É preciso impedir que o Governo destrua os pilares da Escola Pública, é preciso impedir estas políticas de destruição do emprego docente”.

Nogueira recordou que o plano global do ataque aos professores aponta para a destruição de 30 a 40 mil horários”, dos quais 10 a 12 000 seriam obtidos com a as alterações curriculares agora travadas pelo Parlamento.

O ataque ao emprego docente está enquadrado por uma política de corte orçamental decidida politicamente: "o Governo cortou 803 milhões na Educação.160 milhões são obtidos com os cortes nos salários. Onde é que vão buscar o restante?"

Mário Nogueira esclareceu ainda que, de facto, “é preciso desenvolver uma reorganização curricular”, mas na base de um “planeamento responsável e rigoroso”, tanto mais que a escola pública portuguesa tem "importantes desafios, a começar pela escolaridade de 12 anos" (os primeiros alunos que vão ser abrangidos, lembrou, já estão no 8º ano).
Trata-se de uma “caminhada que exige que se repense o desenho curricular – a par de questões fundamentais como as competências, os programas, a avaliação dos alunos, entre outras matérias – e "isto tem de ser pensado com tempo. Exige um debate alargado na sociedade portuguesa”.

Mega-agrupamentos e encerramento cego de escolas:
o país do litoral e o país do interior


Nas declarações prestadas aos jornalistas, Mário Nogueira também chamou a atenção para os problemas que se vivem em matéria de rede escolar, criticando o encerramento cego de escolas e a imposição de mega-agrupamentos.
“Muitos centros educativos estão parados, não há verbas. Há crianças à beira de novas deslocações”, observou, referindo ainda aspectos como “as distâncias que as crianças são obrigadas a percorrer diariamente” e as ambiguidades nas respostas sociais.

“Em 2010, com a constituição de 84 mega-agrupamentos e o encerramento de 701 escolas, 5 000 professores ficaram fora do sistema”, recordou, lembrando que o Governo quer agora avançar para mais 283 agrupamentos e para o encerramento de 600 escolas, o que poderá provocar a anulação de qualquer coisa como 15 mil horários de professores.

“Foram constituídos agrupamentos com 3 000 alunos, com distâncias de dezenas de quilómetros de distância entre as respectivas escolas. Que ensino é este?", interrogou Mário Nogueira.

Em recente reunião com o Secretário de Estado da Educação, a FENPROF ouviu que ainda está por fazer a avaliação do que se passa. "Mesmo assim, avança-se no caminho dos mega-agrupamentos e no ataque ao emprego docente", observou. "Devemos racionalizar e rentabilizar, certamente. Mas não se pode cortar no que tem a ver com o sucesso dos alunos e com a qualidade educativa".

Sobre a realidade dos 84 mega-agrupamentos, "a FENPROF fez um estudo, cujos resultados vamos divulgar publicamente". "Vamos mostrar, com rigor, o que se passa nesses estabelecimentos de ensino".

"Esta", registou Mário Nogueira, "é outra das matérias em que a Assembleia da República também poderá intervir".

"O ME quer anular todas as possibilidades
da escola se organizar!"

Depois de referir que as regras que o ME quer impor para o ano lectivo 2011-2012 "retiram às escolas condições para a sua organização e para o desenvolvimento dos seus projectos" ("como pretende o Ministério que uma escola funcione com a redução de 150 para 4 horas de créditos?"), o Secretário Geral da FENPROF alertou: "O ME quer anular todas as possibilidades da escola se organizar!".
A título de exemplo, apontou a situação do desporto escolar, revelando que será lançado um abaixo-assinado.

O ataque do ME em relação aos horários de trabalho dos professores ("é preciso respeitar as componentes do horário do professor!"), a greve ao serviço docente extraordinário ("é uma greve difícil, atinge sempre as mesmas turmas, mas é uma luta que tem de se fazer"), a avaliação do desempenho e o combate contra os cortes nos salários ("um pouco por todo o país, colectivos de escolas vão reclamar em acções a desenvolver junto dos tribunais"), foram outros temas salientes no encontro com os profissionais da comunicação social, realizado na sede da FENPROF/SPGL. 

Greve às horas extraordinárias:
em causa está o horário de trabalho dos professores

"É muito elevada a importância desta greve às horas extraordinárias. Os professores compreendem que em causa está muito mais do que o valor da hora extraordinária ou a sua fórmula de cálculo. Em causa está o horário de trabalho dos professores", realçou o dirigente sindical.

Se o valor da hora lectiva extraordinária se fizesse sobre as 35 horas (como o ME está a impor) e não sobre o horário lectivo (como estabelece a lei), não era considerada a componente de trabalho individual que envolve a actividade lectiva. Ou seja, a preparação das aulas e o trabalho que delas decorre, seria feito para além do horário de trabalho do professor. Para além da redução do valor da hora extraordinária em mais de 30% e da ilegalidade presente na alteração da fórmula de calcular essa hora, em causa está o próprio horário de trabalho dos docentes e a sua organização em três componentes principais: trabalho lectivo, trabalho de estabelecimento e trabalho individual e as condições em que se desenvolve.

Mário Nogueira referiu ainda: "O projecto de despacho do Ministério da Educação sobre a organização do próximo ano lectivo prevê a eliminação das horas de trabalho individual (8, 10 ou 11). Ou seja, prevê que, na prática, todo o trabalho individual (preparação de aulas, elaboração de materiais, correcção de trabalhos e testes, reuniões, entre outras actividades) seja feito para além das 7 horas de trabalho diário/médio (35 semanais), impedindo o docente de ter vida pessoal. O que está a ser feito com as horas extraordinárias é a antecipação disso mesmo."

E concluiu assim esta passagem: "Ninguém aguenta isto. Não há super-homens nem super-mulheres..."

Avaliação: o conflito instalou-se nas escolas!

A propósito da avaliação do desempenho, Nogueira afirmou que o modelo do ME "não é aceitável", salientando ainda: "O conflito instalou-se nas escolas!". Estão à vista de todos - menos do ME... - os efeitos dum "modelo muito burocratizado", gerador de conflitos e de instabilidade: "as pessoas são concorrentes, não há avaliação cooperativa". Cerca de uma centena de escolas já pediu a suspensão deste modelo de avaliação do desempenho, "assunto que já levámos à AR".

Concursos: Petição em debate na AR a 17 de Março

O problema da precariedade e da instabilidade profissional dos docentes esteve presente em vários momentos do diálogo com os jornalistas. A propósito, o Secretário Geral da FENPROF revelou que no próximo dia 17 de Março será analisada e debatida na Assembleia da República a Petição, com 26 000 assinaturas, que exige a realização de concursos em 2011."Estaremos lá com a convicção que o concurso é fundamental", realçou Mário Nogueira, que relacionou precariedade docente com instabilidade nas escolas e apontou um número esclarecedor: "temos quase 40 000 professores contratados, muitos deles com vários anos de serviço e fundamentais para o sistema educativo".

 Reunião com Ministro da Administração Interna

Na sequência dos acontecimentos de 18 de Janeiro em que um dirigente da FENPROF foi detido pela PSP, não tendo, contudo, o Tribunal deduzido qualquer acusação, a FENPROF apresentou queixa da situação ao Ministro da Administração Interna. Em resposta, o Chefe de Gabinete do M.A.I. formulou um conjunto de acusações verdadeiramente inaceitáveis, tanto ao dirigente da FENPROF, como à generalidade dos manifestantes. Na conferência de imprensa, Mário Nogueira afirmou que por aquela razão, a FENPROF solicitou uma reunião ao Ministro Rui Pereira, a qual terá lugar no dia 7 de Março, pelas 16.30 horas, nas instalações daquele Ministério."As regras da democracia", comentou o dirigente sindical, "têm que ser respeitadas".

Marcha pela Educação: a sociedade em defesa
da Escola Pública

A crescente onda de apoio ao Manifesto em defesa da Escola Pública, marcada para 2 de Abril, em Lisboa, foi também tema destacado da conferência de imprensa realizada pela Direcção da FENPROF.

Recorde-se que a iniciativa foi impulsionada por um Manifesto subscrito por organizações de diferentes sectores: professores, trabalhadores não docentes, estudantes, pais e encarregados de educação, psicólogos educacionais, inspectores de ensino e educação. 
Numerosas Assembleias Municipais, de diferentes regiões do país, estão também a aderir a esta acção, registando-se em muitos casos votações por unanimidade de apoio ao Manifesto "Investir na Educação, Defender a Escola Pública", que recebeu entretanto novas adesões, nomeadamente de associações pedagógicas e científicas de um conjunto largo de outras entidades.

"A sociedade portuguesa está a perceber o que estão a fazer à escola pública e não podia ficar de braços cruzados", observou Mário Nogueira.

Calendário das acções

Em jeito de síntese, Mário Nogueira referiu que os professores e educadores vão estar em força num conjunto de acções, para já, nestes meses de Março e Abril:

12 de Março – Campo Pequeno e deslocação ao ME;

19 de Março – Manifestação nacional promovida pela CGTP-IN;

1 de Abril – Manifestação dos Jovens;

2 de Abril – Marcha Nacional pela Qualidade da Educação e em Defesa da Escola Pública.

A “agenda” inclui ainda quatro dias de presença sindical à porta do Ministério da Educação.

“Manifestódromo” à porta do ME

Sublinhando a necessidade de reforçar o protesto, a denúncia e a luta, Mário Nogueira informou os jornalistas que nos dias 22, 24, 29 e 31 de Março, a placa central da Av. 5 de Outubro, frente ao Ministério da Educação, será transformado num “manifestódromo”, em que os dirigentes e activistas sindicais tentarão, com criatividade, humor e sátira, mostrar à opinião pública e aos responsáveis políticos o que é hoje a vida dos professores e das escolas no nosso país.

No primeiro dia, estarão em foco as condições sócio-profissionais e a realidade actual da profissão docente. Depois a 24, será a vez dos mega-agrupamentos, com destaque para a situação criada aos professores envolvidos em reuniões de áreas disciplinares com 120 participantes(!). A avaliação do desempenho será abordada a 29 e depois , a 31, o enfoque será dado às condições de trabalhos e aos horários dos docentes.
Nestes quatro dias, serão distribuídos vários documentos informativos à população e à comunicação social.

 Conferência do Superior em Julho

Lembrando que o ensino superior “tem também hoje muitos problemas” – e citou, como exemplos, o financiamento e o papel das fundações, a precariedade laboral e a avaliação – Mário Nogueira revelou que a FENPROF vai realizar nos dias 1 e 2 de Julho próximo, em Lisboa, uma Conferência Nacional do Ensino Superior e Investigação. Participarão na iniciativa delegados e convidados oriundos de todo o país e de diferentes instituições do universitário e do politécnico.

 Consulta aos professores

Até ao final do ano, o tempo é de acção e luta. A política do Governo, marcada por constantes ataques à escola pública e aos professores, não deixa outro caminho, como assinalou o dirigente sindical. Nesse sentido, a FENPROF vai dinamizar uma consulta nacional aos professores e educadores, levando ao debate os contornos dessa luta e os compromissos a assumir pelos docentes no sentido da sua orientação e concretização.

“É nossa responsabilidade perceber que a qualidade do ensino está a ser posta em causa”, afirmou o Secretário Geral da FENPROF. “Temos que reforçar este alerta a toda a sociedade, mobilizando, informando, apelando à participação de todos”, destacou.

"Queremos que este país tenha futuro!"

“Roubam o salário, roubam a estabilidade profissional e também querem roubar o futuro”, alertou Mário Nogueira, destacando que “queremos que este país tenha futuro” e que para isso é preciso investir numa das bases fundamentais da sociedade: a educação.
“Não se consegue construir futuro nenhum se o presente for destruído”, concluiu. JPO

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