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Carta da Professora Gabriela Alves (Escola EB 2,3/S Professor António da Natividade, no Agrupamento Vertical de Escolas de Mesão Frio.) ao Director do JN:
Exmo. Senhor
José Leite Pereira
(Director do Jornal de Notícias)
Dirijo-me a V. Exa., na qualidade de cidadã de um país, ainda, democrático e livre, na qualidade de professora, com dezasseis anos de serviço público, e também na qualidade de mãe e encarregada de educação de duas crianças, de dez e doze anos, que frequentam a escola pública.
Faço-o por me ter sentido imensamente indignada e ofendida, com o conteúdo da sua rubrica "À LETRA", publicada na edição de domingo, nove de Novembro de 2008, sob o título Professores e militares, acrescentando, no entanto, que o faço com o maior respeito (aquele que o senhor não soube ter pelos professores deste país) e na tentativa de lhe ensinar qualquer coisa, como professora que sou.
Gostaria de começar por referir que me habituei a respeitar o Jornal de Notícias e o trabalho dos seus profissionais, porque sempre foi, para mim, uma referência de qualidade, tanto como leitora assídua, como colaboradora, desde o primeiro momento, no projecto pedagógico Entre Palavras, que chegou às escolas há quatro anos atrás, e no qual envolvi, sempre, os meus alunos e as minhas alunas com muitíssimo sucesso.
Talvez por isto me senti ainda mais atacada e desvalorizada, por não estar à espera que este ataque partisse de um dos meios de comunicação social que mais se tem servido do trabalho dos professores, nas escolas, não só com intenções pedagógicas, mas também com objectivos de mercado, naturalmente.
Talvez, por isto, também, me tenha apetecido responder-lhe "à letra", com alguma legitimidade. Pois descobri que "Bem prega Frei Tomás. Olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz.", considerando que o Jornal de Notícias é o "Frei Tomás", que promove um Fórum de Leitura e Debate de Ideias, com o objectivo pedagógico de explorar as capacidades de reflexão e de argumentação dos nossos jovens, solicitando para isso a colaboração dos profissionais de educação, e depois, constata-se que o seu director trata esses mesmos profissionais sem o mínimo de respeito.
Somos, neste artigo, acusados de acefalia, porque "uns autocarros e uns farnéis" nos levaram a Lisboa, apenas por razões de falta de "fé" e de um excesso de "militância". É inacreditável que um director de um jornal se dirija nestes termos a uma classe tão importante na nossa sociedade.
Continua a atacar-nos quando afirma "Os professores é que não (são sérios), pois pretendem rebentá-lo (o processo de avaliação) desde já." Não acredito, mais uma vez, que seja possível que um director de um jornal diga levianamente que os professores não são sérios e que desconheça as razões pelas quais os professores estão em protesto.
Mais adiante, no seu artigo, o senhor director acusa os professores de "invejite por serem avaliados por pessoas com as quais certamente não simpatizam". O senhor director de um jornal de referência nacional continua a argumentar contra os professores de forma leviana e corriqueira, lamentavelmente.
Depois de se referir aos militares (vá-se lá saber por que razão), defende a tese de que "os professores estavam mal habituados" e de que estes fazem parte de um lóbi muito forte. Esperava muito mais de si, senhor director, talvez tanto quanto aquilo que li no jornal Público, desse mesmo dia, escrito, curiosamente, pelo respectivo director.
Finalmente, o senhor director, utiliza quatro chavões que nada têm a ver com os problemas educacionais que afligem seriamente os professores, mas que são reveladores dos motivos que o levaram a escrever este artigo: "Hoje, nada é eterno."; "Muitos direitos adquiridos já foram"; "até ser professor não garante emprego toda a vida."; "Por que haveriam uns de ser mais do que outros?". Isto é preocupante, repito, quando se trata de um director de um jornal como o Jornal de Notícias.
Tudo me leva a crer que este foi um artigo feito por encomenda. Dizem que se faz muito isso na imprensa regional. Talvez se passe o mesmo na imprensa de âmbito nacional, quem sabe? Custará a crer?
Lamento, senhor director, não poder esclarecê-lo melhor acerca daquilo que preocupa realmente a nossa classe, daquilo que se passa nas nossas escolas, daquilo que querem fazer com a educação no nosso país, "Que outro valor mais alto se alevanta.", o valor dos meus alunos e das minhas alunas, a quem tenho de dedicar, prioritariamente, o meu tempo, pois a escola não pára e continua a prestar um serviço público de qualidade, que faz muita "invejite" (para usar as suas palavras) a qualquer partido político ou a um qualquer gabinete de ministro ou ministra.
Aconselho-o, contudo, a recolher melhores informações junto daqueles que nos representam, legitima e democraticamente, os nossos sindicatos. Sugiro mesmo que faça um especial educação, na edição do próximo domingo, reparando assim o erro editorial do domingo anterior.
Creia, senhor director, que é com o maior respeito que os considero, a si e aos seus colaboradores, as caras do JN, mas permita-me discordar veementemente da sua voz, em particular, em relação àquilo de que nos acusa.
Garanto-lhe, também, que continuarei a levar os meus alunos e as minhas alunas a participar no Entre Palavras (não usarei o meu forte poder), apesar do muito trabalho extraordinário que essa actividade me acarreta, pois acredito que estes jovens aprenderão mais qualquer coisa comigo, se os ajudar a pensar criticamente sobre a realidade que os rodeia.
Espero, sinceramente, que o senhor director também tenha aprendido.
Muito respeitosamente, me despeço
Gabriela Alves (professora com muitíssimo gosto)