Programa do governo — Apreciação da Fenprof
16 de junho de 2025
O Programa do Governo, em termos gerais, é um programa centrado na chamada agenda reformadora do Estado, com uma clara orientação política para a redução do papel do Estado às funções de soberania. Esta visão compromete a resposta às funções sociais do Estado, entre as quais se encontra a Educação, não deixando antever um futuro favorável para a generalidade da população. Assim, assistir-se-á, por certo, à redução do papel do Estado, o que hipoteca o desenvolvimento da Educação e Ciência.
Capítulo da Educação, Ciência e Inovação
No enquadramento deste capítulo, além de intenções vagas de melhorias para o setor, é feito um balanço autoelogioso do mandato anterior, assinalando profundas mudanças e soluções reformistas efetuadas, cujas anunciadas virtudes não se vislumbram. Omite, no entanto, medidas que foram fracassos na educação, como, por exemplo, o designado plano «+Aulas +Sucesso», criado para combater a falta de professores, problema que, como os números demonstram, ter-se-á agravado.
Ainda nesta introdução, é exibida uma valorização remuneratória da carreira docente, o que não passa de uma trapaça ardilosa para puxar a si o mérito de uma melhoria no vencimento que apenas aconteceu por força da recuperação do tempo de serviço congelado e em resultado de uma intensa, persistente e muito forte luta dos docentes antes das Legislativas/2024. Medida que, mesmo assim, deixou de fora mais de 23 000 educadores e professores, que, por essa razão, saíram ou sairão para a aposentação com pensões muito desvalorizadas. Neste exercício laudatório, surge ainda o apoio à deslocação, que continua a aplicar-se apenas a um número reduzido de professores e que, por via disso, cria desigualdades, deixando por cumprir o objetivo que deveria ter.
Avaliação no final de ciclo e o PISA
O programa retoma a proposta das avaliações no final de ciclo, nomeadamente no ensino básico, não com o objetivo de acompanhar o progresso dos alunos, fornecendo dados às escolas que permitam otimizar as práticas pedagógicas, mas como mecanismo para criar rankings de escolas, baseados em sistemas de avaliação centralizados, tecnocráticos e pedagogicamente redutores.
Nas metas, no destaque dado aos objetivos a atingir pelos alunos, o relevo é dado ao PISA – programa da OCDE utilizado para avaliação de estudantes, que tem sido cada vez mais criticado, devido aos seus efeitos negativos na Educação. Aliás, é apontado a este programa o objetivo claro da promoção de uma visão neoliberal da educação, com a focalização excessiva em testes padronizados que geram uma prejudicial competição entre escolas e sistemas educativos.
O ministério regulador e a municipalização
É, também, dado destaque ao aprofundamento do processo da descentralização de competências na educação — recorde-se que 2/3 dos municípios não aderiram voluntariamente —, o que comporta riscos elevados de redução da margem da escassa autonomia das escolas e potencia a ingerência das autarquias em áreas fora da sua competência. Isto, para além de desigualdades territoriais que em pouco tempo irão pôr em causa o caráter universal do direito à Educação. Além de demitir o Estado central de indeclináveis responsabilidades na Educação, abrirá caminho à privatização de serviços dentro das escolas e aprofundará disparidades entre escolas de municípios com diferentes capacidades financeiras.
A chamada descentralização, é um dos elementos para a assunção de uma lógica mercantilista, que visa equiparar as escolas públicas às privadas no acesso ao financiamento, promovendo a privatização dos lucros e a socialização dos custos — como tem sido observado noutros países onde esta lógica tem sido aplicada.
A universalização do acesso à educação pré-escolar a partir dos 3 anos de idade — medida já anunciada no mandato anterior —, será garantida através de contratos de associação com o setor privado e social e não através da expansão da rede pública. Esta opção revela um afastamento ideológico dos preceitos constitucionais, designadamente no que diz respeito aos artigos 73.º e 74.º.
Com este programa do governo, volta a estar em destaque a redefinição do papel do ministério da Educação, assumido como mero regulador do funcionamento das escolas, transferindo para as CCDR, estruturas sem escrutínio democrático, competências como a definição da rede escolar, das ofertas formativas no ensino profissional e os investimentos em infraestruturas.
Valorização da profissão docente e estatuto do diretor
O programa do governo adia para o final da legislatura (2029) a revisão do Estatuto da Carreira Docente — adiamento que perpetua o problema da falta de professores e reflete uma ausência de respostas estruturadas, encarando a atual situação como uma inevitabilidade, auto ilibando-se de responsabilidades políticas.
Mantém-se a intenção de criar um Estatuto do Diretor, com uma carreira específica e remuneração indexada ao topo da carreira docente, o que constituiria um primeiro passo para a formação de um corpo profissional de gestores, reforçando o autoritarismo e controlo hierárquico deste órgão, numa gestão cada vez mais afastada dos reais interesses de uma Escola Pública de qualidade, democrática e inclusiva.
É, também, manifestada a intenção de alterar o regime de colocação de docentes, os concursos, abrindo espaço a modelos de contratação e vinculação de docentes com regras que não garantem a equidade, a objetividade e a transparência asseguradas pelas listas nacionais ordenadas em função da graduação profissional.
Ensino superior e ciência
Relativamente ao ensino superior e à ciência, o programa do governo também não apresenta respostas estruturadas para os principais problemas. Destaca-se, à cabeça, a ausência de medidas para combater o subfinanciamento de longa data do sistema, que compromete o normal funcionamento das instituições, a renovação dos quadros e a modernização das infraestruturas. A criação de um estatuto único de carreira docente é referida, mas carece de discussão séria com os professores e investigadores, de forma a garantir a valorização e a progressão efetiva nas carreiras. A anunciada revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), por sua vez, não rompe com a lógica mercantilista nem com o regime fundacional, dificultando a vocação de missão pública das instituições e a vivência democrática na sua gestão. Quanto à política científica, impõe-se o reforço do financiamento, com estabilidade e previsibilidade, sendo indispensável que a anunciada revisão da missão da FCT decorra de um processo participado por toda a comunidade científica.
Direito à greve
Este programa representa um sério retrocesso para a Educação, a Ciência, a Escola Pública e a profissão docente. Procura desresponsabilizar o Estado do papel crucial que tem na garantia do direito do acesso universal a uma Educação e Ciência públicas de qualidade que promovam a igualdade de oportunidades e de sucesso e a formação integral de cidadãos para uma vivência e uma sociedade democráticas.
É, ainda, um programa que visa a imposição de um grave retrocesso à democracia portuguesa, com a proposta de condicionamento do direito à greve, alargando o conceito de necessidades sociais impreteríveis, pondo em causa um direito fundamental dos trabalhadores e do regime democrático, consagrado na Constituição da República Portuguesa.
Os educadores, os professores e os investigadores saberão responder à concretização das medidas gravosas deste programa, com a sua ação e luta, rejeitando a transformação da Educação e do ensino em negócio, fonte de lucro para interesses privados, e exigindo soluções urgentes para os problemas estruturais do setor e da profissão