Um novo rumo para a Ciência, urgência nacional

Assista à gravação do debate aqui

A grave situação a que as políticas governamentais conduziram o setor da ciência e da investigação científica, a par de sugestões e propostas alternativas apontadas a uma dinâmica de estímulo e apoio aos investigadores, estiveram no centro do debate que decorreu na passada terça-feira (18/03/2014), no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, por iniciativa da FENPROF, através do seu Departamento de Ensino Superior e Investigação.


"CIÊNCIA SEM CIENTISTAS? Não ao retrocesso da Ciência em Portugal!", foi o tema geral desta iniciativa que juntou no anfiteatro Abreu Faro (nome dum prestigiado investigador), do complexo interdisciplinar do Técnico, cientistas de relevo em diferentes áreas científicas e que têm tido responsabilidades na gestão da investigação científica: Ana Nunes de Almeida, Carlos Henggeler Antunes, Carlos Mota Soares e José Emílio Ribeiro. A sessão foi organizada em dois painéis: a "Opinião dos Cientistas" e "A Opinião dos Políticos", reunindo esta representantes dos grupos parlamentares do PS. PCP e BE, com moderação de Mário Nogueira.

João Cunha Serra, presidente do Conselho Nacional da FENPROF, apresentou a iniciativa numa breve sessão de abertura, que contou com a participação do presidente do Instituto Superior Técnico, Arlindo Oliveira, que alertou para "o sério risco" em que está a ciência portuguesa, apresentando como exemplo saliente das políticas de asfixia a forte redução das bolsas de doutoramento e pós doutoramento. "Os melhores alunos de Física do Técnico ficaram de fora...", referiu Arlindo Oliveira, que realçou a oportunidade desta sessão, sublinhando que "temos de tornar claro o nosso descontentamento".

FCT, uma força de bloqueio...


A "Opinião dos Cientistas", tema do primeiro painel, suscitou animado debate com a assistência. A comunidade científica tem criticado duramente a política da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de forte redução do apoio à formação avançada e ao emprego científico, cuja ação depende da orientação política do Governo. Neste debate, esse tom crítico foi comum a numerosas intervenções.

Ana Nunes de Almeida considerou-a mesmo uma "força de bloqueio". Com esta sua política, que é também a política do atual governo, a FCT desarticula a ação científica e provoca o desemprego de investigadores e o seu afastamento para o estrangeiro, com graves prejuízos para o desenvolvimento da ciência e para o seu importante papel na recuperação dos atrasos do desenvolvimento do País.

Particularmente desde há três meses, tornou-se evidente que a FCT - "instituição pouco transparente" (José Emílio Ribeiro) - está a “podar” a ciência em Portugal, provocando enormes reduções nos contratos e nas bolsas de investigação. Acrescem ainda a falta de transparência e as ilegalidades dos processos de seleção e avaliação.

A forma mercantilista de encarar a Ciência e desprezar os seus cientistas. foi criticada neste encontro, que registou a presença de bolseiros, docentes e investigadores  de várias universidades e instituições.

Governo empenhado na redução
da capacidade científica do país

Como foi sublinhado neste encontro promovido pela FENPROF, reduzir drasticamente a formação avançada de recursos humanos em ciência e mandar embora grande número de cientistas qualificados têm como consequência imediata reduzir a capacidade científica do País e a sua cultura científica e conduz, ainda, inevitavelmente, à quebra de capacidade tecnológica do tecido empresarial português, atrasando a sua renovação e penalizando a sua competitividade, "bandeira" frequentemente  levantada por alguns responsáveis políticos...

"Ouvimos falar (Primeiro Ministro, Secretária de Estado da Ciência, Presidente da FCT, entre outros) da necessidade de um novo paradigma na ciência...  Que paradigma? Não há um único documento claro que o caracterize", observou Ana Nunes de Almeida, Investigadora Coordenadora do Instituto de Ciências Sociais, Pró-Reitora da Universidade de Lisboa na equipa do Prof. António Nóvoa.

A antiga Presidente da Associação Portuguesa de Sociologia falou das ciências sociais no contexto da atividade científica e do trabalho do cientista social. Observou que "as ciências sociais não estão viradas para dentro" e que "ajudam a compreender a sociedade em que vivemos ", "garantem  formas de transferência do conhecimento para as sociedades" e "são capazes de avaliar as políticas públicas"

"Todos os ramos cientificos fazem parte da ciência", sublinhou a investigadora.

Precariedade do trabalho
científico

Ao analisar e avançar algumas perspetivas de futuro para a ciência em Portugal, o debate organizado pela FENPROF concluiu que  com investigadores “descartáveis” e precários ao longo da sua vida de investigação, a ciência e a investigação não avançam e não concretizam os urgentes objetivos de desenvolvimento do país.

Para a FENPROF, a vinculação dos investigadores às instituições e o direito a integrarem uma carreira, naturalmente exigente, com direitos e perspetivas de evolução, é hoje em dia uma das questões centrais da ciência em Portugal. Nesse sentido é defendida, entre outras matérias, a substituição das bolsas de investigação por contratos, em particular as de pós-doc e todas as que se destinam a doutorados.

"Todos temos de nos empenhar"

Como foi destacado no debate, "é necessário defender a estabilidade no campo científico". Esta preocupação foi retomada por Carlos Henggeler Antunes. que lembrou as contradições, também no capítulo da ciência, entre o Programa do Governo e a dura realidade que o setor está a viver nos nossos dias.

Carlos Antunes deixou alguns apontamentos sobre a "luta inglória" dum diretor de uma unidade de investigação  contra as teias da burocracia - "vive-se numa autêntica turbulência" - , manifestando viva preocupação com "o que nos espera", a continuar esta política.

"Os sites da FCT parecem do tempo do "bit lascado". Precisamos de regras claras", destacou noutra passagem da sua intervenção. José Emílio Ribeiro afirmaria que "as pessoas não podem ser prejudicadas pelas deficiências da FCT"

"Já chega de expressões como mudança de paradigma, excelência, empreendedorismo! Servem apenas  legitimar opções mal pensadas", registou Carlos H. Antunes. "Há muitas correções a fazer, mas todos temos de nos empenhar. Há que rentabilizar os dados positivos. É necessário mais investimento, mas também mais eficácia", realçou.

"Temos dezenas de empresas de base tecnologia que tem sucesso, há passagem da ciência para o tecido económico", concluiu, Carlos Antunes, valorizando o papel das pequenas e médias empresas.

A difícil situação
dos Laboratórios Associados

Neste interessante debate, foi também chamada a atenção para a necessidade da renovação dos contratos dos investigadores dos Laboratórios Associados e para o aumento dos lugares de carreira, regidos pelo respetivo estatuto, em substituição dos atuais contratos de investigação efetuados ao abrigo dos programas Ciência 2007 e 2008, e Investigador FCT e dos celebrados pelos Laboratórios Associados.

A difícil situação em que se encontram hoje os Laboratórios Associados - LA ("começamos a ter dificuldades em fazer pagamentos") esteve particularmente em foco na intervenção de Carlos Mota Soares, catedrático do IST e membro do Conselho dos LA.

A falta de técnicos é uma das preocupações dos responsáveis da instituição. "Fazemos uma enorme ginástica para renovar equipamento", acrescentou Mota Soares, que avançou com pormenores dos cortes sofridos pela instituição em todas as rubricas, algumas na casa dos 60 por desde 2010. A continuação desta política, alertou o investigador, alterará o lema para discussão futura - poderá ser "ciência sem financiamento"...

Como foi referido no debate, o estatuto da carreira de investigação científica (Decreto-Lei 124/99) tem condições para acolher os investigadores existentes, quer nas instituições de ensino superior, quer nos laboratórios, não necessitando de nenhuma revisão profunda.

No decurso da iniciativa, foi abordada a situação de muitos docentes do ensino superior impedidos de serem integrados nas unidades de investigação e a diminuição do financiamento de base, nomeadamente das unidades que forem classificadas como boas no exercício da avaliação em curso.


"A Opinião dos Políticos"

A sessão prosseguiu com um painel com representantes de grupos parlamentares. Foram convidadas todas as forças políticas representadas no Parlamento, como explicou Mário Nogueira, que moderou esta última parte da sessão. Participaram: Elsa Pais (PS), Rita Rato (PCP) e Tiago Ivo Cruz (BE).

A deputada do PS alertou para a destruição do trabalho que estava a ser feito no campo da ciência e da investigação científica e para as "sucessivas trapalhadas" do Governo (também) nesta área. As orientações e as práticas da FCT suscitaram uma forte crítica da deputada socialista, matéria também abordada pelos dois outros convidados do painel. Elsa Pais alertou para os perigos da privatização da ciência e para as consequências da agenda neoliberal.

Rita Rato lembrou que o perdão fiscal às SGPs foi superior ao dobro do investimento em ciência e alertou para as consequências de uma política propositada de desinvestimento, exploração e precariedade. "O que está a ser feito contra a ciência é por opção política do MEC e do Governo", observou a deputada do PCP, que defendeu uma política de incentivo tecnológico às pequenas e médias empresas.

"O que Crato diz na Comissão de Educação não corresponde à realidade" , afirmou o representante do BE, que acusou o ministro Crato, a secretária de Estado da Ciência e o presidente da FCT de estarem empenhados na desestruturação das políticas para a ciência e a investigação.

Mário Nogueira encerrou a iniciativa, alertando para as consequências da "reforma do Estado" que troika e Governo querem aplicar até ao fim da legislatura, concretizando a ofensiva destruidora - na base da alteração do "modelo" -  contra as funções sociais do Estado. / JPO   Peça em atualização

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