Estatuto dos Alunos: Proposta do ME

Sindicato dos Professores do Norte / FENPROF

Proposta do Governo

Estatuto do aluno do ensino não superior

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Exposição de Motivos

O presente diploma pretende responder à necessidade generalizadamente sentida de adequar a instituição escolar às profundas mudanças de ordem social e cultural registadas na sociedade portuguesa durante as três últimas décadas. O processo geral de modernização revelou-se mais rápido que a capacidade de se proceder às reformas adequadas ao sentido dessa mudança.

No que diz respeito ao sistema educativo, a ênfase concedida à qualificação do ensino, acentuando a visão utilitária do aprender a conhecer e do aprender a fazer, teve como consequência o descentramento da qualificação da educação, nomeadamente nos objectivos do aprender a conviver e do aprender a ser. No processo educativo é a formação global da pessoa que está em causa, assente no pressuposto equilíbrio entre aquisição de conhecimentos, desenvolvimento de competências, interiorização de valores e condutas e, o mais importante, pleno desenvolvimento da personalidade como ser humano.

As políticas educativas terão que recentrar o seu esforço de enquadramento, de forma a promover um melhor ambiente escolar e a fomentar o exercício de valores como o respeito, a tolerância e a liberdade, no quadro dos princípios democráticos consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Este esforço de qualificação da educação é tanto mais necessário quanto as profundas transformações operadas na sociedade portuguesa projectam sobre a escola responsabilidades acrescidas, para cujo exercício ela nem sempre se tem mostrado preparada.

A evolução registada nas estruturas familiares, nos meios de comunicação social - com especial relevo para o papel da televisão - e na própria composição da sociedade portuguesa, com o crescente número e importância das comunidades imigrantes portadoras de contributos decisivos de diferenciação social e cultural, permite avaliar a extensão e complexidade dos desafios que se colocam à instituição escolar. Esta, paralelamente, é confrontada com o processo de massificação, decorrente do maior acesso e mobilidade no sistema educativo, do aumento da escolaridade obrigatória para nove anos e do alargamento a grupos sociais cada vez mais diferenciados.

Uma das consequências mais evidentes deste processo foi a degradação progressiva do ambiente escolar e a deterioração da autoridade dos professores. A sobrevalorização e salvaguarda dos direitos, facto em si positivo, conduziu, contudo, à falaciosa subalternização dos deveres. Este desequilíbrio originou a proliferação de práticas perturbadoras da convivência e do bom ambiente escolar. Actos de indisciplina, frequentemente expressos em agressividade e violência, acentuaram em muitas escolas um generalizado sentimento de insegurança e de impunidade.

Por outro lado, o direito à educação, constitucionalmente consagrado, não poderá ser dissociado do dever cívico de participação no processo educativo, traduzido, entre outros aspectos, na obrigatoriedade de frequência do ensino básico e no dever de assiduidade. As elevadas taxas de abandono da escolaridade básica atestam o desequilíbrio entre a garantia do direito à educação, assumida pelo Estado, e o incumprimento do dever de frequência e participação, por parte dos alunos e das respectivas famílias e encarregados de educação.

Do enunciado de direitos e deveres, na dupla perspectiva da obrigação de assiduidade como contrapartida da garantia de acesso ao sistema educativo, em articulação com a explicitação de regras gerais de conduta, resulta uma nova orientação axiológica na presente proposta de lei, sem contudo esquecer contributos legislativos anteriores, em especial o Decreto-Lei n.º270/98, de 1 de Setembro, e o enquadramento que resulta da Lei de Bases do Sistema Educativo. A nova dimensão axiológica assenta na valorização da responsabilidade dos parceiros educativos em torno da escola, como reflexo necessário do princípio da autonomia desta, responsabilidade essa que valoriza uma ideia de contratualização entre parceiros educativos, através do seu envolvimento na elaboração e aplicação do regulamento interno das escolas e dos respectivos projectos educativos.

O princípio da contratualização entre parceiros educativos ganha especial relevância no quadro da autonomia pedagógica e administrativa dos estabelecimentos de ensino. Mais do que o enunciado de direitos e deveres, pretende-se, através da aprovação do regulamento interno da escola e da vinculação à sua execução, afirmar um sentido de compromisso e de responsabilidade de cada um dos parceiros para com a comunidade educativa e desta para com os objectivos enunciados no seu projecto educativo para a escola.

É sobretudo nesta perspectiva que não pode deixar de ser realçada a autonomia das escolas. Ela será tanto maior e mais sólida quanto melhor conseguir envolver os parceiros na construção de um ambiente escolar favorável ao sucesso e à plena realização individual de alunos, professores, encarregados de educação e profissionais não docentes. Quanto maior for esse envolvimento, maior será a assunção natural das respectivas responsabilidades e, consequentemente, maior será o compromisso de todos os intervenientes no sucesso dos desígnios da escola, tornando praticamente excepcional o recurso à componente disciplinar. É esta a filosofia que presidiu à elaboração da presente proposta de lei.

As condutas perturbadoras, a indisciplina, as incivilidades e as práticas adversariais, expressas por actos de agressividade e violência, radicam, numa parte significativa dos casos, em quadros psicossociais e familiares problemáticos. Para estas situações este diploma prevê o recurso aos futuros centros de apoio social escolar que, de forma gradual e orientada pela definição prévia de zonas ou escolas mais críticas, promoverão as funções de mediação entre a escola, a família e a comunidade local, com vista a encontrar os instrumentos de apoio e as soluções ajustadas ao quadro social em causa. Pretende-se, com este tipo de intervenção, libertar a escola e, em especial, os docentes de uma responsabilidade cívica para que não estão especialmente vocacionados, ao mesmo tempo que se invoca o princípio da solidariedade da comunidade local e das instituições especializadas na solução dos problemas.

Para além deste aspecto inovador, o conteúdo da proposta de lei que o Governo agora apresenta à Assembleia da República, merece referência nalguns outros momentos. Trata-se de um novo enquadramento jurídico, em termos axiológicos, em termos de finalidades, em termos de instrumentos jurídicos e em termos de sistema externo.

Refira-se, em primeiro lugar, a preocupação em enquadrar, logo nos momentos iniciais do diploma, princípios que, embora esquecidos, são essenciais e com relevância prática indiscutível na vida da comunidade educativa, sobre a autonomia e a responsabilidade, esta não podendo deixar de andar pressuposta pela primeira. São estatuições que, para além da respectiva tutela jurídica, valem pela sua relevância ética e deontológica, relevância essa que encontra na escola um significado particularmente vital, tantas vezes subalternizado. Sublinhe-se, neste ponto, a exaustiva ponderação feita sobre o conteúdo do papel especial dos pais e encarregados de educação.

Para além da reponderação global e minuciosa da estrutura de direitos e deveres dos alunos, o diploma acolhe a regulação especial das obrigações de frequência e de assiduidade, enquanto manifestação mais directa e imediata da responsabilidade e do dever inerentes ao direito à educação.

Quanto à matéria da disciplina, houve o cuidado de qualificar, expressa e rigorosamente, o conteúdo da infracção disciplinar. Por outro lado, em termos de medidas disciplinares, para além da sua reorganização global, passou a distinguir-se claramente entre as medidas disciplinares que, para além da sua eficácia preventiva e integradora, têm vocação sancionatória e as medidas disciplinares pensadas unicamente para prosseguirem um sentido cautelar, preventivo e de integração. Deste modo se concilia, agora sem confusões perversas, dois desideratos, cada um deles irrenunciável: a efectiva responsabilização do aluno prevaricador responsabilizável, por um lado, com a efectiva dimensão reabilitadora e integradora da escola, por outro.

Este modelo, teve, obviamente, as devidas repercussões técnico-jurídicas a nível da cumulação de medidas disciplinares e da competência disciplinar, entre outros aspectos, sendo que se entende a autoridade dos professores como um pilar estruturante da vivência escolar e das boas aprendizagens e, como tal, objecto de um processo necessário de reabilitação.

O procedimento disciplinar foi redesenhado. Preservando todas as garantias destinadas ao cabal apuramento da verdade e a permitir a audição integral do aluno arguido e do seu encarregado de educação, o processo tornou-se mais dinâmico e eficaz, pois, nos ambientes das escolas, tal é verdadeiramente decisivo para fomentar os valores inerentes à disciplina. Na execução das medidas disciplinares sublinhou-se o correcto acompanhamento do aluno, numa lógica de acentuar o sentido reabilitador.

Com a presente proposta de lei, o XV Governo Constitucional dá sequência ao compromisso importante assumido no seu Programa de reforçar a autoridade dos professores e de aperfeiçoar o enquadramento do exercício da disciplina na escola.

Embora o Governo tenha capacidade de, por si, legislar nesta matéria, entendeu fazê-lo através da forma de proposta de lei. Deste modo, pretendeu o Governo conferir a esta iniciativa legislativa, convocando a Assembleia da República para o centro da sua discussão e aprovação, o significado nacional que lhe reconhece e a sua intenção de, em torno dela, desenvolver ampla reflexão pública.

Proposta de Articulado

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