Ainda o Memorando de Entendimento
Neste conturbado início de ano lectivo tem-se tornado um hábito em quase todas as discussões que se estabelecem sobre o que, verdadeiramente, perturba o trabalho das escolas e a sufocante sobrecarga de tarefas que caem sobre os professores, relembrar o Memorando de Entendimento assinado entre a Plataforma de Sindicatos e o Ministério da Educação, em Abril passado. Quase sempre pelos piores motivos.
Ressuscitado por alguns, com intenções pelo menos pouco claras, agarrado por outros, muitos, e muitas vezes com bastante desconhecimento do seu contexto e do seu conteúdo, o referido Memorando tem sido erguido como a causa de todos os males, o principal responsável pelo caos que grassa nas escolas portuguesas e intencionalmente eleito, por alguns dos que hoje se arrogam em lídimos representantes da indignação profissional docente, como causa única da confusão instalada em todas as escolas deste país.
Ora, este é um raciocínio perigoso. Tanto mais perigoso porque pode desviar os professores do seu objectivo primeiro - derrotar as nefastas políticas educativas desenvolvidas pelo actual Governo.
Vejamos alguns dos perigos associados a esta verdadeira mitificação do dito Memorando.
Está instalado o caos nas escolas portuguesas e a causa mais próxima, ainda que com outros graves factores associados, é a tradução prática de um modelo de avaliação do desempenho docente que nenhuma organização sindical subscreveu, mas que o ME/Governo impôs assim mesmo. Ora, se há caos têm que existir factores que o provoquem. E, se o principal factor é o dito Memorando, como ele foi assinado por duas partes, ME e sindicatos, ambas as partes são responsáveis. Logo, os sindicatos são também responsáveis pelo caos!
Daí a aparecerem vozes a insurgir-se contra os sindicatos ("instalados, obsoletos, ineficazes, distantes dos professores, traidores dos seus representados", e bastante mais) vai um pequeno passo. E esse passo foi dado, como todos sabemos. Há então que desmistificar todo este processo, com muitos actores anónimos, mas com alguns já bem conhecidos e até muito mediáticos.
PRIMEIRO - O referido Memorando é assinado a 17 de Abril passado, cerca de um mês depois da grandiosa e inesquecível Marcha da Indignação que a Plataforma de Sindicatos convocara para Lisboa no dia 8 de Março. E há aqui, indubitavelmente, uma relação causa-efeito entre estas duas datas.
Desde logo porque, não fora esta exuberante demonstração de unidade dos professores, e não seria imaginável para ninguém que Maria de Lurdes Rodrigues equacionasse sequer sentar-se à mesma mesa com os sindicatos de professores e muito menos abandonar a sua obstinada ideia de lançar o seu modelo de avaliação ainda no ano lectivo anterior. Recordamos que é assim que tem funcionado esta maioria - enfrentar e afrontar tudo e todos, ignorar contestações à sua política, venham elas donde vierem, e, se for preciso, agir de forma autoritária e autocrática, impondo o que bem entendem e ignorando os protestos.
Debilitada na sua arrogância, ainda que politicamente sustentada por José Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues foi obrigada a assinar medidas que até aí considerava impensáveis.
SEGUNDO - E que medidas foram essas?
- assumir, para o ano lectivo 2007/2008, um processo ultra-simplificado e de aplicação universal da avaliação do desempenho docente, que fez com que 92% dos professores não fossem avaliados no ano transacto e que, dos 8% que o foram, resultasse nenhuma consequência negativa no que se refere aos efeitos da mesma avaliação;
- garantir, ainda neste domínio, que o processo a lançar em 2008/2009, já no contexto do seu modelo e de uma execução generalizada, permitiria aos sindicatos uma participação activa no conhecimento e tratamento de todos os dados resultantes dos processos de escola (através da criação de uma Comissão Paritária), bem como obrigar-se a uma negociação do seu "intocável" modelo nos meses de Junho e Julho de 2009, através de um processo negocial a desenvolver com os sindicatos;
- comprometer-se ainda com o prolongamento dos prazos relativos à instalação do seu novo modelo de gestão das escolas e assumir a garantia da definição de regras claras quanto à distribuição da carga horária dos horários dos professores de forma a evitar as arbitrariedades que levavam à sobrecarga de tarefas até aí com enquadramento legal.
TERCEIRO - Importa lembrar aqui que este conjunto de matérias faziam parte da Resolução aprovada pelos cem mil professores que estiveram em Lisboa a 8 de Março, no que se refere à parte conjuntural dessa Resolução, que, obviamente, continha ainda as matérias de fundo que os professores queriam ver resolvidas e as previsões da luta para a sua consecução. Assim, o entendimento firmado, não só respeitava integralmente a vontade evidenciada pelos professores a 8 de Março, como reafirmava as discordâncias de fundo que se mantinham quanto aos eixos centrais da política educativa deste Governo.
E, num processo à altura inédito no panorama sindical português pós-25 de Abril, os professores e educadores, sindicalizados ou não, tiveram a oportunidade de, no dia 15 de Abril, no que ficou conhecido pelo dia D, discutirem todas as matérias constantes do Memorando e decidiram sobre a sua assinatura. É significativo que 85% dos professores que participaram na discussão realizada nesse dia se tenham pronunciado a favor da subscrição desse entendimento. Faz parte do processo e convém, a bem da honestidade intelectual, não ser ignorado por ninguém, a começar por aqueles que recentemente optaram por insultar os dirigentes sindicais de tudo o que lhes vem à cabeça.
É verdade que, como dizia o poeta, "todo o mundo é composto de mudança", mas, assim como é legítimo admitir-se que tempos depois se possam avaliar as coisas de modo diferente, não é legítimo pedir-se a quem assina de boa fé seja o que for, passados uns dias assumir que não assumiu o que assinou, que risque a sua assinatura do papel que honradamente firmou, ou que venha, de ânimo leve, dizer hoje que não o devia ter feito. Não é esta a forma de estar no sindicalismo da FENPROF, dos seus sindicatos e dos seus dirigentes.
Outra coisa, bem diferente desta, é a postura de avaliar criticamente o que vai acontecendo, como vão sendo traduzidos os passos de consecução dos compromissos assumidos por ambas as partes. E aqui, é inevitável concluir que o ME não tem respeitado a sua parte do entendimento.
Em primeiro lugar porque, apesar de ter feito sair uma regulamentação dos parâmetros que devem presidir à organização dos horários dos professores, conforme o estabelecido no Memorando, permite, quando não incentiva, todo o tipo de atropelos à elaboração e concretização desses horários, gerando uma sobrecarga de tarefas e ocupações que "sufoca" completamente os professores na planificação e execução do seu trabalho.
Em segundo lugar, e porque rapidamente se confirmou o que a Plataforma de Sindicatos tinha previsto e inscreveu no já referido Memorando, esta forma de avaliar o desempenho dos professores, para além de injusta, burocrática, aleatória e castradora do bom desempenho individual e colectivo dos professores e assente numa artificial divisão dos professores resultante da iníqua fractura da carreira, é asfixiante quanto às atenções e energias que concentra em si própria e, mais grave de tudo, desvia os interesses destes profissionais do seu objectivo principal, as aprendizagens dos seus alunos, não lhes permitindo minimamente que sejam os profissionais responsáveis que querem ser.
Aqui chegados, a atitude responsável dos sindicatos só pode ser uma - não assumirem responsabilidades imputáveis a outros e, como tal, não se sentirem manietados por aquilo que assinaram uns meses antes. Dito de outra maneira, o que é responsável e honesto não é andar a dizer que se rasgam compromissos honradamente assumidos, mas denunciar com firmeza que quem não os cumpre deve ser responsabilizado por isso.
E, se é verdade que o entendimento projecta para Junho e Julho de
Porto, 4 de Novembro de 2008
A Direcção do SPN