Colégio de Gaia - irregularidades

Notícia no Porto Canal

Não pondo em causa a liberdade da iniciativa privada na Educação, de há anos a esta parte que o SPN e a FENPROF têm vindo a denunciar irregularidades e ilegalidades no funcionamento de algumas escolas do ensino particular e cooperativo. Destacam-se:

  1. O financiamento indevido do ensino privado com dinheiros públicos, através da concessão de contratos de associação em situações em que tal se não justifica. Por exemplo, no caso do distrito do Porto, em 2012/2013 havia 8 colégios com contratos de associação, tendo entre o básico e o secundário, um total de 244 turmas contratualizadas, 702 professores e 6457 alunos envolvidos, em concelhos cuja taxa de ocupação da oferta pública se encontra muito longe de estar esgotada. [O concelho de Gondomar é, a este respeito, paradigmático.] Sendo o diferencial entre o custo de uma turma no público e no privado de 15.000 € por ano, se estes alunos estivessem nas escolas públicas, onde têm vagas, só neste distrito o Estado teria poupado num ano 3.660.000 €. Estamos perante uma situação de uso indevido de dinheiros públicos, tão mais inaceitável quanto o contexto é de sucessivos cortes orçamentais na educação pública.
  1. O favorecimento do ensino privado, em detrimento da escola pública, na definição da oferta formativa. Por exemplo, no concelho de Gaia, a proposta da DGEstE-N para o presente ano letivo apresenta uma redução substancial do número de cursos (de 58 em vigor no ano letivo 2013-14, para 36 em 2014-2015), que não se verificou nas escolas do ensino privado. Das turmas aprovadas, a maioria (66%) é atribuída a 4 escolas privadas, ficando as 8 escolas secundárias públicas do concelho apenas com 34% das turmas autorizadas. Esta proposta suscitou um parecer fortemente crítico dos 18 Presidentes dos Conselhos Gerais dos Agrupamentos e Escolas de Vila Nova de Gaia, onde contestam “a total indiferença e desrespeito pelas propostas apresentadas pelas escolas públicas” e “a distorção óbvia das capacidades dos estabelecimentos de ensino relativamente aos números dos cursos/turmas e aos meios de que dispõem”. (cf. parecer em anexo)
  1. Pressões sobre os docentes para que aceitem condições laborais que não respeitam os enquadramentos legais vigentes. [vários trabalhos de investigação jornalística têm mostrado enormes abusos a este nível, sobretudo nos colégios do grupo GPS]. Nos últimos tempos, tem-se vindo a verificar um agravamento na ocorrência de problemas relativos aos horários dos professores, à extinção de postos de trabalho e a pressões de vária ordem para que os docentes subscrevam o Contrato Coletivo de Trabalho assinado pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular (AEEP) e a Federação Nacional de Educação (FNE), entre outros.
  1. Criação de um clima de intimidação, condicionador de liberdades democráticas, designadamente ao nível do exercício de direitos sindicais. Significativamente, ao contrário dos seus colegas do ensino público, a maioria dos professores sindicalizados do ensino particular e cooperativo paga as quotas diretamente no sindicato, e não através do local de trabalho. Com efeito, a realidade mostra que, num setor tantas vezes apontado como modelo de funcionamento e organização, os docentes são, muitas vezes, sujeitos a arbitrariedades e a limitações várias à sua liberdade de pensamento e de ação.

 

O CASO DO COLÉGIO DE GAIA

  1. 1.     Contexto escolar 

O Colégio de Gaia é propriedade da Diocese do Porto e é frequentado por cerca de 1400 alunos, distribuídos pela Educação Pré-Escolar, os 3 ciclos do Ensino Básico (cerca de 400 alunos) e pelo Ensino Secundário (13 cursos científico-tecnológicos, com planos próprios, conferentes de certificação profissional nível 4). No ensino básico, as propinas mensais são pagas pelos pais, no secundário a lecionação é gratuita, financiada pelo POPH. No ano letivo 2013/2014, o colégio tinha uma oferta de 10 cursos tecnológicos; em 2014/2015 passou para 13 cursos, em contraciclo com a diminuição verificada nas escolas públicas do concelho.

  1. 2.     Redução de número de professores 

Nos últimos anos, o Colégio tem vindo a reduzir o número de docentes. Um fator que muito tem contribuído para essa redução é a transferência, nos horários dos professores, de atividades de carácter letivo para a componente não letiva de estabelecimento, o que faz com que o número de horas de trabalho a pagar diminua progressivamente. No final do ano letivo 2012/13, foram despedidos cerca de 20 professores. Os horários destes docentes foram distribuídos pelos restantes, sem que lhes fosse paga remuneração correspondente. Por cada 5 professores do colégio 1 foi despedido e as suas horas de trabalho "absorvidas" gratuitamente pelos restantes.

  1. 3.     Intervenção junto das entidades responsáveis do Colégio

Durante o ano letivo 2013/2104 e, perante a ausência de clarificação interna relativamente a assuntos de carácter laboral e pedagógico, foram enviadas, pelo delegado sindical, pela vice-delegada e por outros docentes, diversas cartas às entidades responsáveis pelo Colégio de Gaia (Bispo do Porto, Diretor do Colégio, Diretor Pedagógico, Diretores de turma e Coordenador de Curso), solicitando diversos esclarecimentos. Todas ficaram sem resposta.

  1. 4.     Denúncias à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) 

Em 3 de janeiro de 2014, o SPN denunciou irregularidades nos horários e pagamentos a docentes. No entanto, a inspeção realizada foi, até ao momento, inconclusiva.

Em 11 de abril de 2014, quatro professores do colégio, reforçando a denúncia do SPN, apresentaram à ACT uma nova denúncia sobre os seus horários de trabalhos e respetivas remunerações. Aguardam ainda resposta.

Entretanto, na sequência de denúncias efetuadas pelo delegado sindical, pela vice delegada e por uma professora associada do SPN, referentes a períodos de trabalho suplementar (reuniões com encarregados de educação marcadas para períodos noturnos e para os sábados de manhã), o colégio foi autuado por violação dos números 1 e 4 do artigo 231.º do código de trabalho.

5. Denúncias à Inspeção Geral de Educação e Ciência (IGEC)

As primeiras denúncias foram apresentadas a 2 de Dezembro de 2013. A fim de apurar os factos constantes das participações subscritas pelos referidos professores, por despacho de 17 de Abril de 2014, do Sr. Chefe de Equipa Multidisciplinar/ATN, da IGEC, foi determinada uma ação inspetiva, sumária e célere, com origem no Colégio de Gaia. O relatório desta ação inspetiva não está ainda concluído, mas foi dado a conhecer aos denunciantes em 25/06/2014.

 As preocupações apresentadas pelos professores incidem sobre os seguintes aspetos: atividades de enriquecimento curricular no 1º CEB (enquadramento legal e técnico-pedagógico da atividade de docência no colégio de Gaia); regulamento interno desatualizado (desde 2009); problemas de comunicação institucional; ausência de esclarecimento sobre o regime legal e formal de registo da assiduidade dos alunos nos documentos oficiais; funcionamento de laboratórios e avaliações intercalares.

6. Despedimento dos representantes sindicais

A 28 de fevereiro de 2014 foi aberto um processo de inquérito ao delegado sindical, a que se seguiu, a 13 de maio, a abertura de processo disciplinar – nota de culpa com 75 pontos. No dia 4 de setembro o delegado sindical foi suspenso, o Sindicato emitiu parecer sobre o processo a 12 de setembro, que foi concluído com decisão de despedimento por justa causa, a 22 de setembro.

A 14 de março de 2014 foi aberto um processo de inquérito à vice-delegada, a que se seguiu, a 13 de maio, a abertura de processo disciplinar – nota de culpa com 38 pontos. O sindicato emitiu parecer a 29 de julho e o processo foi concluído, com decisão de despedimento por justa causa, a 1 de setembro.

A própria decisão de despedimento reconhece a existência de uma situação de “(…) confronto com a Direção do Colégio, seja sobre o funcionamento dos equipamentos, a questão dos horários, a recusa de apresentar avaliação à disciplina que leciona, de queixas enviadas por si ou pela professora Maria Antónia à IGEC e/ou à ACT confronto este que continuou a sentir-se no início do presente ano escolar, o que obrigou, a fim de evitar perturbação, à sua suspensão preventiva a 4 de setembro p.p.” (documento relativo à decisão final do processo disciplinar, datado de 19.09.2014). De registar que a qualidade e a competência do trabalho pedagógico desempenhado pelos dois docentes não foram alvo de qualquer acusação.

7. Posição dos alunos e dos seus encarregados de educação

Os alunos dos professores agora despedidos, assim como os respetivos encarregados de educação, manifestaram-lhes solidariedade e confiança. Esperam que eles possam regressar para continuar o trabalho que estavam a desenvolver. Disponibilizaram-se para serem testemunhas nos processos disciplinares, por considerarem que muitas das ações de que os professores são acusados visaram assegurar melhores condições para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

8. Posição do SPN

O SPN acompanhou desde o primeiro momento as irregularidades registadas, tentando, sem sucesso, obter junto das entidades responsáveis a clarificação das situações apresentadas.

Perante a decisão da Direção do Colégio, de instauração de processos disciplinares aos dois delegados sindicais da escola e posterior despedimento de ambos, os serviços jurídicos do SPN interpuseram de imediato a providência Cautelar de Suspensão do Despedimento, tendo igualmente avançado com um pedido de impugnação da decisão, aguardando agora que o tribunal se pronuncie.

A Direção do SPN não encontra nas notas de culpa destes dois colegas matéria que possa justificar um despedimento com justa causa. O tribunal decidirá sobre a sua licitude. O Colégio alega que não há motivação anti-sindical neste processo. O SPN regista a coincidência de dois docentes sem qualquer antecedente disciplinar, e cujo elevado profissionalismo a Direção do colégio atestava, por escrito, há ainda tão pouco tempo (declaração de 20 de Março de 2013), terem sido despedidos menos de um ano depois de serem eleitos delegados sindicais. E lembra que a atividade sindical goza de proteção legal específica reforçada, revestindo-se a respetiva violação de particular gravidade.

 

Porto, 6.10.2014

A Direção do SPN

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