É falso que metade dos docentes ganhe acima dos 2250 €

07 de novembro de 2022

O vencimento dos docentes, mesmo no último escalão, não atinge os 2000 euros! Não se percebe, pois, porque é que um órgão de comunicação social escreveu que mais de metade dos docentes tem um vencimento acima de 2250 euros. É falso! Falta saber por que o fez e a pedido de quem. Quererá João Costa ganhar a opinião pública, perdendo os professores? Se assim for, não será inédito: nem a postura do ministro, nem a luta dos professores!

Todos os educadores e professores compreendem por que surgiu a notícia falsa sobre o seu vencimento. É que a greve do dia 2 de novembro foi uma grande greve e os portugueses compreenderam perfeitamente a sua justeza, como se pôde ouvir nas entrevistas de rua feitas pela comunicação social. E isso preocupou os governantes.

Quando assim é, não é novidade o recurso a estratégias de falta de respeito pelos educadores e professores, a que vem associado o discurso sobre o seu ótimo salário, o horário folgado ou o seu baixo profissionalismo, como acontece com as insinuações que têm sido recorrentes sobre situações de saúde. É um discurso instigado por quem não resolve os problemas, tentando, por via da manipulação, isolar quem reclama soluções. Este tipo de ataque infame, soez, fará aumentar os níveis de indignação e a luta dos educadores e professores. Quanto à opinião pública, não se deixou enganar por Lurdes Rodrigues e também não será enganada por João Costa.

A notícia em causa

A manchete é fundamentada em dados fornecidos pelo Ministério da Educação (ME): 54 840 docentes dos 107 529 dos quadros (contrato por tempo indeterminado) encontram-se no 6.º escalão ou superior. Isso significa que ganham entre 2254 e 3405 euros.

Desde logo há que considerar que não existem, apenas, 107 529 docentes, mas, segundo o ME, cerca de mais 28 000 contratados a termo, o que totaliza 135 529. Como tal, a percentagem de docentes no 6.º escalão e seguintes é de 40% e não mais de metade.

Depois, sabem os portugueses que o que conta é o que efetivamente recebem, isto é, o vencimento líquido, e quanto a esse:

  • 60% dos docentes recebem um vencimento líquido entre 1050 e 1360 euros — serve para pagar deslocações, segunda habitação e as despesas do dia-a-dia, isto se os docentes tiverem horário completo; nos casos em que o horário é incompleto, o salário é mais reduzido, nalguns casos até abaixo do salário mínimo nacional.
  • 40% dos docentes (os que se encontram do 6.º ao 10.º escalão) ganha, mensalmente, entre 1400 e 1950 euros líquidos — sendo estes os vencimentos mais elevados, correspondem aos valores ilíquidos entre 2254 e 3405 euros, respetivamente, aos quais se aplicam descontos entre 850 e 1450 euros, o que constitui um verdadeiro assalto fiscal.

70% dos docentes nunca atingirão o topo da carreira

Sendo, pois, falso que mais de metade dos docentes esteja acima do 6.º escalão, não deixa de ser relevante o número dos que aí se encontram, pois reflete um dos principais problemas da profissão docente: o envelhecimento. E não são ainda mais os que estão nesses escalões porque os docentes contratados a prazo são impedidos de receber os valores que deveriam auferir de acordo com o seu tempo de serviço, o que viola legislação europeia.

Acresce que há mais de 5500 docentes em lista de espera por vaga para progredirem aos 5.º e 7.º escalões, o que significa que, contrariamente ao que afirma João Costa, há milhares de educadores e professores com a carreira congelada e a perderem ainda mais tempo de serviço. Boa parte destes docentes estavam dispensados de vaga pela avaliação obtida, mas, devido às quotas, a sua classificação foi administrativamente reduzida.

Importa lembrar, ainda, que os docentes integrados na carreira estão entre um e três ou, excecionalmente, quatro escalões abaixo daquele em que deveriam estar se o tempo de serviço cumprido fosse integralmente contado, não houvesse vagas e não se aplicassem quotas na avaliação. Calcula-se que cerca de 70% dos atuais docentes não atingirá o escalão de topo, o que os penaliza, de imediato, no salário e terá forte impacto no cálculo da futura pensão de aposentação.

Envelhecimento, falta de atratividade e fim da paridade

Os educadores e professores que se encontram no escalão de topo, por norma, trabalham há 40 ou mais anos, pelo que seria justo que já pudessem estar aposentados. Porém, isso não lhes é permitido sem grandes penalizações na pensão.

Recorde-se que os docentes constituem o grupo mais qualificado da administração pública (licenciatura pré-Bolonha ou mestrado pós-Bolonha, como formação de base) e têm uma elevadíssima responsabilidade social. Tendo em conta esta exigência, a baixa remuneração dos docentes é um dos principais motivos do afastamento dos jovens da profissão. Os seus vencimentos sofreram uma tremenda desvalorização nos últimos anos. Por exemplo, um docente que em 2005 tivesse 20 anos de serviço, ganhava mais 1070 euros ilíquidos (diferença líquida ainda maior) do que um que tenha hoje esse tempo de serviço.

Paridade e inflação

Como se não bastasse, é, agora, intenção do governo quebrar a paridade entre o topo da carreira docente e o da técnica superior, paridade alcançada em 1986, após muitos anos de luta.

Por último, as remunerações dos docentes, como dos demais trabalhadores, estão a sofrer um tremendo desgaste com a inflação galopante e os irrisórios aumentos dos últimos anos, bem como com aquele que o governo pretende impor para 2023.

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