Nestes tempos estranhos, nada é fácil

26 de março de 2020

 

A Direção da APM tem seguido atentamente as vicissitudes da atual situação que vivemos em que, de facto, nada é fácil, tudo é desconhecido: tateamos, hesitamos, ensaiamos, agimos, uns por defeito, outros por excesso, mas acreditamos que todos queremos trabalhar por uma educação mais justa, para os alunos, para os professores, para as famílias, nestes tempos estranhos.

Certamente que a Direção da APM se une a todos — e têm sido muitos — os esforços de assegurar o acompanhamento dos alunos, de todos os alunos, de cada aluno, sabendo que estes são também tempos de aprendizagens novas para cada um de nós, para as instituições, para a sociedade, para a humanidade. Intuímos que novos paradigmas emergem e sonhamos que, depois desta tempestade que nos devasta de oriente a ocidente, de norte a sul, essas aprendizagens nos comprometam com mudanças significativas na reconstrução deste nosso mundo para o tornar mais justo, mais humano, mais solidário, mais saudável, mais habitável. Mas, nada é fácil...

Nada é fácil quando a mediação das aprendizagens dos alunos — a sua professora, o seu professor — se distancia e se converte numa “mediação mediada”. Por isso é bom reconhecermos que a aprendizagem significativa se faz sobretudo na relação pedagógica direta entre professores e alunos, na dinâmica da sala de aula e que nada, nada, substitui isso, evidência que se torna ainda mais clara quanto mais baixamos na idade e no grau de ensino em que nos situamos.

E no entanto, temos que fazer algo, experimentar algo que rompa estes distanciamentos e estas ausências e por isso nos unimos a qualquer esforço de partilha, a qualquer gesto de aproximação, seja por vias digitais, telemáticas, hertzianas, postais... se fosse possível, até por sinais de fumo...

Nada é fácil, quando a vida de uma família que antes se espalhava pelos locais de trabalho, de aprendizagem, de lazer, de contactos sociais e familiares mais alargados, se concentra, dia após dia, nestes dias lentos, entre as paredes de uma casa. Não é fácil naquelas famílias em que a dificuldade é gerir as correntes de mensagens e grupos de WhatsApp, Facebook, Instagram, Skype... que cresceram desmesuradamente, ou a utilização do computador familiar que tem que servir para os filhos receberem as tarefas dos seus professores e, muitas vezes, utilizar para as resolver, ao mesmo tempo que os pais estão em teletrabalho ou, por sua vez, a dar aulas também online e todos a tentar “falar” com amigos e familiares a distância... E não é fácil para as famílias em que não há computador, ou smartphone, ou internet... E não é fácil para os nossos alunos enclausurados em famílias disfuncionais... É mesmo cada vez mais difícil para os mais necessitados dos nossos alunos, os que habitam as periferias esquecidas, que tinham na escola e na relação com os seus professores, um espaço de dignidade, humanização e acompanhamento... A vigilância para com o agravamento das desigualdades sociais e educativas das nossas crianças e jovens é uma prioridade; não podemos fazer consolidar a ideia de que tudo está a ser resolvido com as (muitas) medidas que estão e venham a ser implementadas porque efetivamente elas podem estar a agravar, quer a situação dos que estão assoberbados pelas tarefas que recebem, quer a dos que se encontram ainda mais sós e isolados.

E, no entanto, como o desafio é inabarcável, não podemos desistir nem baixar os braços. Talvez seja este um tempo de aplicarmos o “pouco, pequeno e possível” e não andar cada um a disparar em todas as direções, que às vezes parece ser a única estratégia no terreno. Talvez todos — professores, pais e alunos — tenhamos que valorizar, menos os resultados, e mais a construção da humanidade em cada um que passa por muitas e variadas aprendizagens. Talvez as notas no exame ou o ingresso naquela carreira específica não deva ser o objetivo principal das nossas vidas e a dos nossos filhos e alunos. Talvez uma paragem nesta corrida vertiginosa, às vezes mesmo insana, seja uma das aprendizagens que temos que fazer socialmente e um dos bens que daí pode advir. Talvez devamos, pelo menos, pensar nisto...

Nada é fácil quando tentamos aproximar estes tempos estranhos à normalidade, essa normalidade de que todos precisamos para nos desenvolvermos com harmonia; mas difícil também é aprender a resistência, e discernir aquelas tentações a que devemos resistir com mais perseverança. Isso há de tornar-nos mais fortes e mais sábios.

E nós professores, não temos que demonstrar nada a ninguém: nem que não estamos de férias, nem que nos preocupamos e ocupamos com os nossos alunos, nem que somos especialistas em tecnologia, nem que somos criativos e cumpridores. Podemos fazer e ser — e fazemos e somos maioritariamente — tudo isso, mas o que se nos pede agora é que sejamos ponderados e resistamos a medidas exageradas de quem quer justificar-se perante outros (sejam eles a tutela, os pais, a opinião pública ou os eleitores) ou perante si próprios, e nos sintamos no direito de dizer que nem todos temos os meios tecnológicos ou as destrezas para que, num ápice, possamos comunicar a distância, fazer reuniões, dar aulas, com meios ou plataformas a que muitos nunca tiveram a necessidade, ou a vontade, de aderir; e também nos outorguemos o direito de nos deixarmos o tempo livre que necessitemos para os nossos mais próximos, para aqueles que mais dependem dos nossos cuidados, e sobretudo para crescermos e nos cuidarmos interiormente.

E é por isso que a Direção da APM entende que será bom:

  • partilhar tudo quanto possamos — e no que toca a atividades para a Matemática há muitos recursos online; alguns deles podem ser encontrados a partir da nossa página;
  • ser sóbrios nas propostas, nas concretizações e nas críticas, já que estes são tempos de difíceis equilíbrios e de necessárias convergências;
  • evitar pretender que os processos escolares se cumpram e se estejam a cumprir com normalidade, ainda que a distância — o que não é de todo verdade, nem nunca será nestas condições — e isto inclui a abordagem que venha a ser feita relativamente às avaliações externas;
  • estar atentos aos sinais de mudança que esta profunda crise nos pode revelar e ser corajosos, lúcidos e audazes para ousar novas formas de estar e de ser, também na Educação e na Escola.

E desejamos que cada um, cada uma, possa nestes tempos estranhos em que nada é fácil, deixar tempo para ser consigo e ser com-os-outros, para descobrir e aprofundar o aconchego da família onde ele existe e a solidariedade com os outros construída em pequenos gestos. E não esmorecer na construção quotidiana da Esperança.

Cuidem-se e boa saúde!

A Direção da APM
25 de março de 2020

Anexos

APM - Nestes tempos estranhos, nada é fácil

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