IDEIAS (DES)FEITAS

RANKINGS DE ESCOLAS E LIBERDADE DE ESCOLHA

O editorial do PÙBLICO de 7 de Setembro, com o destaque «Só há justiça social se todos tiverem a mesma liberdade», termina com uma pergunta: «Não valerá pois a pena estudar as "boas práticas" em lugar de insistir em ideias feitas?»

A questão é pertinente e a resposta óbvia. Só surpreende que seja avançada por alguém que, relativamente às questões em apreço, vem, há anos, afirmando e reafirmando como incontestáveis, as mesmas ideias.

Nesse mesmo editorial, José Manuel Fernandes (JMF) defende, mais uma vez, a publicitação de rankings e a livre escolha das escolas pelos pais, com base nos argumentos de sempre: os rankings, dando a conhecer as «melhores e piores escolas», funcionam como «estímulo sobre as escolas cujos alunos obtenham piores resultados»; «a competição gera melhorias»; as regras de base geográfica que o Estado «se arroga o direito» de estabelecer levam ao «inevitável: mais injustiça social», com prejuízo dos «mais pobres e menos instruídos». Conclui que «toda a evidência empírica» aponta para que «a liberdade de educação responsabiliza e facilita uma real igualdade de oportunidades».

Esta assertividade do Director do PÚBLICO levanta várias outras questões. Se os rankings de escolas têm tantos efeitos positivos, por que razão estará a sua divulgação a ser abandonada num número crescente de países? E, quanto à realidade no nosso país, por que terá o estudo ?Um Olhar sobre os Rankings?, editado em 2004 pelo CIPES (Centro de Investigação das Políticas do Ensino Superior, da Fundação das Universidades Portuguesas) relevado «o facto de este dispositivo de avaliação e ordenação das escolas provocar alguns efeitos sociais e educativos perversos», chegando a considerar esta seriação «uma calamidade pública»?

Relativamente às políticas de livre escolha, o que a investigação tem evidenciado é que, na prática, em vez de serem os pais a escolherem as escolas, são as escolas que escolhem os alunos. Sobre a situação em Portugal, uma coisa é considerar que uma escola pública não deve estar impedida de, dentro da sua lotação, receber alunos de fora da sua área de incidência. Outra, bem diferente, é considerar que, em caso de excesso de procura, o critério da residência é pior do que outros. Se é verdade que há já hoje quem consiga contornar o obstáculo da obrigatoriedade de inscrição na escola da área de residência, e que qualquer critério de selecção de alunos é discutível, será que um sistema que pode vedar a um aluno a possibilidade de frequentar a escola mais próxima de casa, nomeadamente porque, por dificuldades de aprendizagem, não pode dar à escola garantia de bons resultados, é socialmente mais justo?!

Em entrevista à Página da Educação, em Setembro de 2002, Alberto Amaral, Director do CIPES, afirma que «Todos os estudos feitos sobre sistemas de ensino que promoveram a escolha parental baseada nos rankings das escolas mostram que esta política se traduziu, essencialmente, na defesa das classes mais favorecidas. (...) Ou seja, em vez de se utilizar a escola para promover a igualdade social e esbater as desigualdades educativas de origem social, a escolha parental permitiu reforçar estas desigualdades e perpetuar uma vantagem de classe bem expressa pelos resultados do trabalho do Observatório Permanente da Juventude.»

Também já em 2002, João Barroso divulga, num e-mail aberto ao Director do PÙBLICO, um texto anteriormente enviado para o jornal e não publicado, onde contesta a abordagem tendenciosa de JMF relativamente às políticas de livre-escolha e dos "cheques-ensino", afirmando que «os argumentos a favor e contra os vouchers são muito mais diversificados e complexos do que a caricatura que deles faz o autor do editorial, insistindo na sua visão maniqueísta de reduzir o debate à luta entre as forças do bem e as forças do mal».

A realidade da Educação e do mundo actual confirma, dia a dia, que não há respostas simples para questões complexas. JMF, com as suas certezas, merece bem a pergunta com que acaba o seu editorial. Afinal, quem tem ideias feitas?

Manuela Mendonça
Porto

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