Planeamento do próximo ano letivo: que ensino superior queremos?

17 de junho de 2020

Ensino de Emergência

Planeamento do próximo ano letivo – que ensino superior queremos?

Após a situação de emergência que vivemos nestes últimos quatro meses, as Universidades e os Politécnicos pretendem iniciar o próximo ano letivo em regime de Ensino a Distância, pelo menos numa parte considerável das atividades letivas, o que envolve alterações substanciais aos cursos, sem qualquer discussão pública e sem a participação da comunidade académica, com o suporte do MCTES. Apesar desta medida pretender evitar o contágio pela COVID-19, não podemos deixar de temer uma lógica economicista na implementação tão célere destas mudanças: serviços estarão encerrados, haverá concentração de aulas teóricas, um maior número de alunos por turma, redução das atividades práticas e presenciais e aprofundamento da precariedade e das condições laborais dos docentes. De facto, no próximo ano tememos que muitos docentes precários sejam dispensados e muitos docentes de carreira vejam a sua atividade seriamente afetada. Mais ainda, esta crise, e consequente implementação deste ensino de emergência, “a distância”, veio evidenciar as desigualdades no ensino superior, que ameaçam os estudantes das famílias mais desfavorecidas, nomeadamente pelas dificuldades de acesso fiável à internet e a computadores.

O impacto no processo de ensino e aprendizagem será também bastante significativo. Como o SPN tem vindo a denunciar, estamos perante um Ensino de Emergência, que não podemos comparar ao Ensino a Distância.

O ensino, como processo social interativo, só é efetivo se gerar aprendizagem e desenvolvimento ético e social dos estudantes. Por essa razão, em particular no ensino superior, o ensino não pode ser reduzido ao processo de transmissão de conhecimento. O processo de ensino e aprendizagem é resultado de um pensamento, de planeamento e de estratégias, métodos e técnicas que permitam, justamente, que a aprendizagem ocorra. O ensino remoto de emergência tenta adaptar-se às condições existentes e às exigências do momento. Permitir que o “ensino de emergência” se perpetue no tempo, acompanhado do já crónico desinvestimento, contribui para a degradação do ensino superior público de qualidade. Assim, consideramos que estão a tomar-se para o próximo ano letivo, arbitrariamente, decisões ao nível da carga letiva e dos conteúdos programáticos das unidades curriculares que rompem o "contrato" de ensino e aprendizagem assumido no início do curso com os estudantes.

Será a própria ideia de Universidade, enquanto lugar de encontro, de diálogo e de pensamento crítico que estará a ser destruída. O ensino superior público é um pilar fundamental para a construção de uma sociedade mais democrática, mais justa e igualitária, e agente de transformação do país. O caminho que os gestores das Universidades e dos Politécnicos, com o beneplácito do MCTES, querem seguir não pode ser apenas resultado de uma escolha contabilística de quem dirige. Universidades e Politécnicos precisam de mais colegialidade, de mais democracia, para que possam prosseguir a missão pública do ensino, missão esta que implica uma responsabilidade e uma resposta para com a sociedade, determinadas pelos valores da democracia, da solidariedade e da igualdade de oportunidades.

Consequentemente, por um lado, há que medir os passos que estão a ser tomados pelas instituições e assegurar que as alterações ao próximo ano letivo sejam equilibradas e estritamente adaptadas às circunstâncias em que se prevê a prevalência da Covid-19. Por outro, é importante que estas alterações não se perpetuem após estes tempos extraordinários de pandemia. Não podemos aceitar um quadro de alteração substancial nos modelos de ensino superior, muito menos quando alavancado nesta situação excecional, apressadamente e sem qualquer reflexão coletiva.

 

Departamento do Ensino Superior
Sindicato dos Professores do Norte

Ver artigo anterior: “A pandemia, o sobretrabalho e a desregulação de horários dos docentes.”

 

 

 

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